Cor não tem gênero (ou "O Conto da Aia brasileira)

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Prof. Pablo Magalhães
Redação do Historiante

Imagine por um instante um país, que passou por um grave problema social, político e biológico (os agrotóxicos deixaram boa parte da população doente). Corrupção e caos econômico conduziram esse país a um colapso nunca antes visto na história. Esse país, propício a salvadores da pátria, recebe com bons olhos os ideais de um grupo conservador, "pró-família", defensor dos ideais cristãos, contra o comunismo e o socialismo, observante dos costumes patriarcais.

Esse grupo chega ao poder. E, a partir daí, começamos a assistir a completa transformação de uma sociedade e, principalmente, a intensificação das relações de poder, estando ainda mais forte o poder do "macho branco heterossexual cristão".

Estou narrando o processo presente no livro O Conto da Aia, mas que tranquilamente poderia ser identificado como a ascensão da extrema direita ultraconservadora cristã em nosso país.

Hoje, pela tarde, pude ler a notícia de que a ministra recém empossada Damares Alves, da pasta Mulher, Família e Direitos Humanos, num momento de euforia junto a seus correligionários, afirmou que "menino veste azul e menina veste rosa". Mais cedo, sua afirmação de que faria dos "meninos príncipes e meninas princesas" já havia me deixado consternado.

Seguindo a postagem da página Quebrando o Tabu


"Quase 6 milhões de crianças sem pai no registro, quinta maior taxa de feminicídio no mundo, mais de 20 milhões de mulheres criando filho sozinhas, violência doméstica, adultério, pai sem pagar pensão, criança morando na rua, e a ministra preocupada que menino tem que vestir azul e menina rosa."

Sou professor de Semiótica, e uma das coisas que mais ressalto aos meus alunos é de que todo e qualquer signo só é signo mediante processo de inferência cultural. É a cultura, dentro de uma sociedade, que fomenta a formação dos signos, conferindo-lhes determinado uso, função, representação em dada comunidade. Azul e Rosa, dentre várias outras cores, possuem uma significação construída socialmente, e que lhes deu seu status de signo.

É a partir dessa argumentação que questiono: o azul é cor de menino e rosa cor de menina seguindo qual padrão/ordem/lógica sociocultural? Em tempo, deixo claro: cor não tem gênero, cor não defini sexualidade. Cor é, unicamente, o conjunto dos estímulos visuais que promovem uma significação em alguém, de acordo com suas referências culturais.

Ao afirmar que rosa é de menina e azul é de menino, Damares naturaliza e cristaliza tais cores, assentando em uma tradição preconceituosa, patriarcalista e machista uma relação de poderes, conferindo gênero ao que não tem. E o pior: para ela e seu grupo, quem eventualmente pensa o contrário está fazendo o errado! 

Tempos sombrios esses.
A distopia do Conto da Aia chegou mais cedo do que se esperava.

Comentários

Unknown disse…
Sua forma de pensar, pontue, ao revés de um texto eminentemente histórico. Ainda que o processo de construção historiográfica conte com suas subjetividades, não se pode alocar num texto científico uma visão tão parcial e repleta de (pré) conceitos. Respeito ao escritor, mas é fundamental que seja observado ser a linha que divide parcialidade ou orientação filosófica subjetiva e texto dito cientificamente historiográfico cheio de conceitos preconcebidos e sequer provados muito menos tênue do que parece.

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