Tenda dos Milagres.


Tenda dos Milagres, segundo romance de Jorge Amado, publicado em 1969, é um grito contra o preconceito racial e religioso. Uma obra em que o diálogo com as teorias da identidade nacional é explorado em sua máxima potência. O autor apresenta a violência dos brancos diante de rituais de origem africana, e oferece o ingresso para um outro mundo, onde há a mistura não só de raças, mas também de religiões. 



Esta obra segue a linha típica dos romances de Jorge Amado tendo a cidade de Salvador como cenário e com personagens bem complexos. O livronarra a história de Pedro Archanjo e sua luta pela afirmação da cultura popular. O candomblé, a capoeira e as festas populares da Bahia fazem parte do universo de Pedro Archanjo, um mestiço , intelectual autodidata, sem formação acadêmica, mas forjado pela vida, pela vivência das ruas, pelo convívio com seu povo.

Malandro que transita entre teorias populares e eruditas. Ele é também o mentor da Tenda dos Milagres, uma casa de saber, uma oficina de impressão, uma casa de espetáculos, enfim uma quase universidade popular assentada na ladeira do Tabuão. Um místico, envolvido e digno representante do sincretismo religioso da Bahia, mas ao mesmo tempo uma inteligência racional a serviço de uma causa: a defesa da mestiçagem das raças como elemento de combate ao racismo e a elevação da cultura negra. Bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, se converte em estudioso apaixonado de sua gente, publicando livros sobre a mestiçagem genética e os sincretismos simbólicos do povo baiano.  

Pedro é descrito como Ojuobá, ou "olhos de Xangô", pai do povo deserdado da Bahia, dos negros, dos mestiços, da gente pobre. Rei do terreiro, dos afoxés, chamego das mulheres, amigo dos seus pares, confidente e conselheiro de quantos o procuram. Capoeirista, mestre Archanjo, como também era conhecido, tocava viola, era bom de cachaça e pai de muitas crianças com as mais lindas negras, mulatas e brancas. No romance, ele percorre as ladeiras de Salvador e recolhe dados sobre o conhecimento dos negros africanos e sua cultura.  Ele continua frequentando os terreiros mesmo depois que deixa de acreditar nos orixás. Tudo para não deixar esmorecer o ânimo dos perseguidos e evitar o triunfo da polícia e da elite racista.

Pedro Archanjo é também o amigo fiel, capaz de abdicar em favor do mestre Lídio Corró, de Rosa de Oxalá, o amor de sua vida. A negra Rosa, mulher para muita competência, conforme descreve o autor. Paixão sublimada, mas insuficiente para impedir que Pedro seja um homem de muitos amores, como confirmam Kirsi, Sabina, Rosália, Dedé e tantas outras que ficaram pelas ladeiras de sua memória.
A obra relata também a chegada de um estrangeiro ao Brasil, cujo propósito era conhecer a terra de Pedro Archanjo, autor de tantos livros que ele admirava. Provoca alvoroço as declarações do estrangeiro, suficiente para pôr toda a imprensa na busca de informações sobre tão afortunado personagem. Que logo se torna objeto de estudo dos eruditos de plantão e foco de inúmeras homenagens de políticos oportunistas. Nessa passagem é possível observar a ironia do autor ao registrar nossa cultura colonizada, tão suscetível aos arroubos de qualquer olhar estrangeiro.
Tenda dos Milagres, além de ser um livro de saborosa leitura, é um louvor ao povo brasileiro, fruto da miscigenação, da mistura de cores, de fusões e incorporações culturais. Como afirma Pedro Archanjo, em uma passagem do livro: "É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura".


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