A cidade maravilhosa, seus lixos e fantasias....





Prof. Tatiane Duarte
Redação d'O Historiante

Carioca bairrista e amante do carnaval, moradora típica do subúrbio, sei mais sobre o Rio caótico do que sobre o Rio maravilha. Mas, morando na capital federal há algum tempo, sempre que voltava ao Rio, além de me sentir em casa, andar pelas ruas, esbarrar nas pessoas, me felicitava aquela aura alegre de sua gente, embora marcada de pesares e de muitas contradições. É claro que o leitor pode achar este um retrato idílico sobre o Rio, e o é também.

Desde o ano passado, após duas visitas esporádicas à cidade, notei um ar triste no cotidiano de suas ruas e nas pessoas que por elas transitavam. O clima no Rio pesava muito, mais do que me lembrava. Não que a vida dos cariocas seja como a dos personagens de Manoel Carlos passeando pelo Leblon, nunca foi (pelo menos para 90% deles). O cotidiano dos cariocas é, desde minha infância, pegar ônibus lotado, enfrentar o trânsito da Avenida Brasil (não é a novela), trabalhar e, novamente, levar cerca de duas a três horas para chegar em casa (quando não se estuda). E, no fim de semana, fazer um churraxco na laje, tomar uma cerveja, brigar em família e se encher de alto astral para aguentar a dura rotina do dia a dia. Como diz o poeta “Não é mole não pra encarar essa rotina tem que ser leão” (http://letras.mus.br/zeca-pagodinho/348873/).

Por isso, voltemos de transporte público. Nunca este esteve tão ruim. Trens que escangalham, metrô sem ar condicionado e com lotação insuportável, mudanças nas rotas do tráfego, trânsito infernal. O lugar quente era no Cordão Carnavalesco Bola Preta, agora é na (i)mobilidade urbana. Para piorar, a Perimetral foi implodida e as vigas, as vigas, quem saberá onde estão? 


Arquivo Pessoal - Carnaval 2014, centro do Rio

Outra coisa que também havia notado era o alto preço dos produtos. Certa vez, ao visitar minha madrinha na zona norte do Rio, comprei uma garrafa pet de refrigerante por seis reais. Para que tenham noção do absurdo, na época, na minha quadra na Asa Norte (zona nobre de Brasília), custava quatro reais. Imagina na Copa, pensei, como tantos outros moradores deste Brazil, com Z para gringo ver. E não pensei em Ipanema, zona nobre da cidade, onde estarão os visitantes, mas, nos meus familiares e amigos que vivem onde "Jesus está de costas" e que vêm enfrentando um aumento abusivo do custo de vida. Tá tudo caro!


Arquivo Pessoal - Carnaval 2014, zona portuária do Rio

O surrealismo nos preços de imóveis, alimentos, bares, itens mais básicos, não veio sozinho. Desde a escolha da cidade como sede de dois mega eventos (para quem não sabe a Copa e as Olimpíadas), o Rio é palco de atos administrativos absurdos, como as remoções de moradores de área estratégicas. 
Confira a reportagem:
(http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=367&Itemid=269). 

O Rio vive uma reforma urbana, um revival de Pereira Passos, que vem “botando-abaixo” pessoas, prédios, até o carnaval, dando ares de cidade pré-parada para os grandes eventos que receberá. Somos a cidade da Copa sim, mas, de uma arbitrariedade impressionante. Neste contexto, as manifestações de junho passado foram marcadas no Rio por críticas a este refazer da cidade que não contemplava a todos os cariocas. Em resposta, os ditadores  governantes enviaram sua tropa de elite que nos jogaram spray de pimenta, seus amigos da grande mídia nos alcunharam, vândalos. Cuspindo na Constituição, o Estado ameaçou os professores, bateram neles, coitados, já apanhavam na escola e apanharam também nas ruas. Nossa educação é padrão FIFA. 


E chega fevereiro, é carnaval. Os governantes da cidade maravilhosa esperavam que a festa do Rei Momo apagasse das memórias cariocas os maus bocados que passaram (e passam, passarão?). É carnaval, todos se fantasiam e ludicamente se vive um tempo avesso ao cotidiano. Então, o carnaval se apresenta com foliões sem fantasia, sem alegria, sem jocosidade. Mas também sem manifestações, um silêncio absoluto sobre o cotidiano tão escandalosamente arbitrário. Talvez por que, a crueldade impregnada na realidade cotidiana impedisse transformar a dor, em adereços. O desfile carnavalesco então se completa com uma metáfora excelente: as montanhas de lixo acumuladas pelas ruas materializavam o fedor que já se espalhava pela cidade há algum tempo. O lixo torna-se o adorno mais luxuoso do nosso carnaval sem máscaras. E a culpa não é dos garis. É que faltam lixeiras para tanto entulho acumulado e para tanto lixo que os governantes do Rio continuam a produzir...















Comentários

Unknown disse…
Uma crônica sobre o surrealismo carioca,
http://tontomundo.com.br/?p=225

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