Dica cultural - O Banquete dos Mendigos



Prof.ª Aline Martins
Redação d'O Historiante





Em 1973, em plena Ditadura Militar, a cena musical estava se recompondo com a volta de Caetano, Gilberto Gil e Chico Buarque, mas a cena politica era a pior possível. O governo Médici liderava o ápice da repressão, com grupos de guerrilha urbana sendo exterminados. Em meio a esse quadro, o multiartista Jards Macalé idealizou e dirigiu um show espetáculo bastante ousado, com o objetivo de comemorar os 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ele reuniu diversos nomes da música popular brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, lugar fundamental para os artistas nos anos 1960 e 1970  por acolher novas experiências como as do artista Hélio Oiticica.

No dia 10 de dezembro de 1973, Chico Buarque, Gal Costa, Raul Seixas, Jorge Mautner, Edu Lobo, Luiz Melodia, Jards Macalé e outros, apresentaram para cerca de 4 mil pessoas "O Banquete dos Mendigos". "Banquete" este, que seria inofensivo se não intercalasse entre uma música e outra leituras da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e se não tivesse se tornado um álbum duplo, gravado ao vivo, pronto para ser lançado. Durante a apresentação, que estava sendo registrada, artigos do documento eram lidos em meio a um clima tenso devido ao cerco montado pelo exército do lado de fora do espaço e pela presença da policia em volta da mesa de som e dos censores na primeira fila.

A ousadia de Jards Macalé teve seu preço: o disco foi imediatamente proibido pelo governo militar. Sobre o episódio, nada saiu na imprensa. Em 1974, o álbum chegou a ser distribuído para divulgação, mas foi proibido antes de chegar às lojas. A capa original (crianças negras com pratos vazios) foi reproduzida no encarte da versão de 1979. "O Banquete dos Mendigos" foi dedicado ao poeta, letrista, ator, cineasta e jornalista Torquato Neto, um dos mentores do Tropicalismo, falecido em 1972.

O banquete seis anos depois

Em 1979, "O Banquete dos Mendigos" foi liberado, e o tropicalista Macalé - que na época havia mudado o nome para Makalé - finalmente fez a divulgação pública do seu disco para uma plateia muito maior: 20 mil pessoas na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. 
Entretanto, em seis anos as coisas haviam mudado, e Makalé recebeu mais acusações do que elogios. Durante a divulgação, nenhum dos artistas que participaram do disco apareceu, pois pouco tempo antes ele visitara Golbery do Couto e Silva, então chefe da Casa Civil e um dos mentores da Ditadura Militar no país.

Vestido com a camiseta do flamengo, Jards Macalé foi a Brasília e presenteou Golbery com o disco, recém liberado, e apresentou um plano de cultura que, como publicou o jornal O Globo na época, consistia em "acabar com o colonialismo cultural no Brasil: política cultural que proteja o artista nacional, questão de mercado de trabalho do artista, questão de memória nacional, abertura de novos espaços culturais, apoio à cooperativa dos músicos brasileiros, recuperação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e questão do direito autoral".



Músicas presentes nos dois discos:

DISCO 1
1-1 Introdução - Artigo 1º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:56)
1-2 No pagode do Vavá – Paulinho da Viola – (Paulinho da Viola) (3:43)
1-3 Roendo as unhas – Paulinho da Viola – (Paulinho da Viola) (3:35)
1-4 Percussão; Artigos 2º e 3º – Pedro dos Santos – (Pedro dos Santos) (5:39)
1-5 Artigo 5º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:41)
1-6 Samba dos animais – Jorge Mautner/Nelson Jacobina – (Jorge Mautner) (2:36)
1-7 Artigos 6º e 8º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:34)
1-8 Pra dizer adeus – Edu Lobo & Danilo Caymmi – (Edu Lobo/Torquato Neto) (1:55)
1-9 Artigo 9º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:16)
1-10 Viola fora de moda – Edu Lobo – (Edu Lobo/ Capinan) (2:44)
1-11 Palavras – Gonzaguinha – (Gonzaguinha) (3:24)
1-12 Artigos 11º e 12º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:35)
1-13 Eu e a Brisa – Johnny Alf – (Johnny Alf) (3:20)
1-14 Artigos 13º e 14º – Jards Macalé – (Declaração Universal Dos Direitos Humanos) (0:27)
1-15 Ilusão à toa – Johnny Alf – (Johnny Alf) (2:05)

DISCO 2
2-1 Cachorro urubu – Raul Seixas – (Paulo Coelho/Raul Seixas) (2:42)
2-2 Artigo 18º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:27)
2-3 P.F. – Grupo Soma – (Shields/Bruce) (3:57)
2-4 Artigo 19º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:44)
2-5 Nanã das águas; Art. 20º E 21º – Edison Machado – (Geraldo Carneiro/João Donato) (5:56)
2-6 Pesadelo / Quando o carnaval chegar / Bom conselho – MPB4 – (Maurício Tapajós, Paulo Cesar Pinheiro/Chico Buarque)
2-7 Jorge Maravilha – MPB4/Chico Buarque – (Chico Buarque) (1:08)
2-8 Abundantemente morte – Luiz Melodia – (Luiz Melodia) (6:37)
2-9 Artigo 23º (A) – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:10)
2-10 Cais – Milton Nascimento & Toninho Horta – (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos) (2:31)
2-11 Artigo 23º (B) – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:05)
2-12 A felicidade – Milton Nascimento – (Vinicius de MoraesQTom Jobim) (3:01)
2-13 Anjo exterminado – Jards Macalé – (Jards Macalé/Waly Salomão) (2:48)
2-14 Rua Real Grandeza; Art. 23º (C) – Jards Macalé – (Jards Macalé/Waly Salomão) (2:35)
2-15 Asa branca – Dominguinhos – (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) (2:39)
2-16 Lamento sertanejo – Dominguinhos – (Dominguinhos/Gilberto Gil) (3:45)
2-17 Artigo 30º – Jards Macalé – (Declaração Universal dos Direitos Humanos) (0:30)
2-18 Oração de mãe menininha – Gal Costa – (Dorival Caymmi) (4:45)

Texto divulgado no encarte do Álbum:

"Este trabalho começou como beneficência e continua beneficente.

Nós todos, artistas, gravadora, equipe de trabalho da feitura do disco, abrimos mão de nossos direitos artísticos e fotográficos em função de outros direitos que se tornam urgentes: o direito à vida, à sobrevivência. Metade do recolhimento deste disco deverá ser creditado ao centro DAS NAÇÕES UNIDAS no Brasil para ser entregue ao SPECIAL SAHELIAN OFFICE, escritório especial da Divisão dos direitos humanos. Destina-se a regiões da África Ocidental que vem sendo assoladas há mais de seis anos pela seca do complexo geográfico saariano, para milhões de pessoas vítimas inocentes da miséria e fome que destroem especialmente o oeste da Mauritânia e o leste da Etiópia. 



Nós da equipe de feitura do disco, devemos agradecimentos a todos os que colaboraram na realização deste documento: Antônio Muiño (Diretor do centro de informação das NAÇÕES UNIDAS no Brasil) Ivan Junqueira (assessor de imprensa do centro de informações das NAÇÕES UNIDAS no Brasil) Heloísa Lustosa (diretora do MUSEU DE ARTE MODERNA do Rio de Janeiro) Cosne Alves Neto (diretor da cinemateca do MUSEU DE ARTE MODERNA do Rio de Janeiro)Newton Anet (advogado assessor jurídico) À ODEON por ter gentilmente cedido seus artistas à RCAÀ PHONOGRAM por ter gentilmente seus artistas a RCAÀ RCA por ter gentilmente cedido sua imprensa para este registro, aos funcionários do Museu de Arte Moderna RJ, aos artistas e músicos que participaram do evento, aos meninos da favela do MORRO DO PINTO, da comunidade de SÃO LOUREÇO e à LITA .



No mais, ficam os versos de Lupiscínio Rodrigues da musica "UM FAVOR"

poetas, músicos, cantores
gente de todas as cores
façam este favor prá mim
quem souber cantar que cante
quem souber tocar que toque
flauta, trombone ou clarim
quem puder gritar que grite
quem tocar apito apite
faça esse mundo acordar."

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