Dica de filme - Histórias cruzadas (The help)


Prof. Pablo Michel Magalhães
Redação d'O Historiante

Não sou daqueles que acreditam que a história se repete, de forma cíclica e uniforme. Somos todos responsáveis pela sociedade que construímos, e a cada dia escrevemos a história. Dessa forma, ainda que os costumes e as tradições influenciem nosso cotidiano, nossas decisões são únicas, e contribuem para a construção do nosso presente. Para clarear: os erros que acontecem hoje, em nossa sociedade, não são naturais, ou obviamente teriam que acontecer, porque tudo se repete. Eles acontecem por uma escolha nossa, contemporâneos. Em suma, podemos e devemos dar um basta em atitudes e ações negativas, praticadas ainda hoje.


Dito isto, findemos o prelúdio para ir às vias de fato. É revoltante notar que, ainda hoje, cultivamos as mais variadas formas de preconceito. Felicianos e Malafaias disseminam, em suas palavras de ordem, o ódio contra aqueles que consideram diferentes. Como se não bastasse, vemos reverberar em redes sociais os mais deploráveis comentários racistas, como o postado recentemente pela jornalista Micheline Borges. Teriam os médicos uma cara específica? O médico da tal Micheline é, via de regra, branco, louro, tem olhos claros, vive em condomínio de luxo e se "impõe pela aparência". Vindo de uma sociedade segregacionista como a nossa, não é de se admirar: a saúde é um artigo de luxo, e só os ricos e bem nascidos têm direito a ela.

Enfim, foi com a cabeça fervilhando sobre isto que assisti ao filme "Histórias Cruzadas" (The Help), dirigido e roteirizado por Tate Taylor, com Emma Stone, Viola Davis e elenco de peso. O mote principal da película é a relação entre empregadas domésticas e suas patroas, no estado do Mississipi, EUA, em 1962. Com uma abordagem sutil, mas sem perder a criticidade, bastante aguçada, o diretor retrata a tensa conexão, por meio do trabalho, entre as mulheres negras que trabalham como cozinheiras, babás, faxineiras, e as famílias brancas de classe média alta.

Não raro, ao longo do filme, somos inseridos no contexto histórico americano das lutas raciais: a tv e o rádio noticiam as tensões constantemente. Além deste recurso, o diretor Taylor utiliza-se de cenas bastante emblemáticas: a personagem Minny, por exemplo, é proibida de utilizar o banheiro da casa dos patrões, tendo de fazer as necessidades do lado de fora, em uma banheiro improvisado separado; Abeelin, outra empregada, recebe ordens simultâneas do patrão e da patroa, e precisa dar conta de tudo, sem reclamar; o aparente sadismo da personagem Hilly, líder das demais donas de casa, ao lidar com suas empregadas, tratando-as quase como escravas. Os exemplos abordados na película são dos mais variados.

Além disso, o filme é sensível à questão do espaço da mulher na sociedade da época. Assim, a mulher perfeita seria uma espécie de dona do lar feliz e submissa ao seu marido, com nada mais a fazer do que engravidar e fazer caridade. Skeeter, jovem branca idealista, anseia muito mais que isso. Sonha ser jornalista, e não se conforma com o tratamento que recebem as mulheres que trabalham nos serviços domésticos. É na amizade que constrói com Abeelin e Minny que nasce a ideia de dar voz e vez a essas mulheres oprimidas.


Devemos nos atentar para o seguinte fato: apesar de mesclar drama com humor, "Histórias cruzadas" consegue retratar, criticamente, a sociedade racista norte-americana, permeada por preconceitos e hostilidade. Impossível não fazer um link com as manifestações contra o ingresso da primeira jovem negra Elizabeth Eckford na Universidade, em 1957. A mesma sociedade branca que tratava feito escravas as domésticas, não aceitaria uma mulher negra no ensino superior.

E, dentro deste contexto, como não fazer uma conexão com o hoje? O que difere o pensamento racista da sociedade norte americana das décadas de 1950 e 1960, retratada no filme, do comentário da tal Micheline hoje, sobre as médicas cubanas? Não, nada. E não é porque a história se repete naturalmente, ou algo do tipo: é porque ainda somos incapazes de extirpar da mentalidade reinante o preconceito latente.


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