"E meus alunos montaram uma LAN house" - sobre educação e futebol.




Prof. Pablo Michel Magalhães
Redação d'O Historiante


Confesso que sou um amante do futebol. Sinto-me contagiado com os ares de uma boa partida e me animo quando belas jogadas são orquestradas em campo. O êxtase de um gol é indescritível: aos 46 do 2º tempo, uma bola alçada à área, uma cabeçada ou um voleio salvadores e a glória do balançar das redes. Torcida gritando, meu time ganhando... Unimo-nos todos, com uniformes e bandeiras, cantando nossos gritos de guerra, empurrando os jogadores a todo momento, na esperança de vencer mais uma peleja dentro das 4 linhas. Sim, eis a magia do esporte bretão, tão bem praticado por nós, brasileiros (nem tanto, nos últimos anos). 

Porém, quando os ecos de gritos de um estádio abafam o som da leitura de livros em uma escola e os holofotes que iluminam o tapete verde ofuscam a lousa em que o professor escreveu o dever de casa, o que resta da euforia e da paixão boleira? Quando o concreto que poderia tapar os buracos no muro de algum dos vários decrépitos colégios do país é cimentado na pilastra de uma moderna Arena futebolística, o grito de "campeão" poderá soar assim tão sincero?



Não é segredo pra ninguém que sou contra a maneira como essa Copa vem sendo orquestrada em solo brasileiro. Desde a escolha do país sede, em 30 de outubro de 2007, até hoje, 12 estádios em todo o Brasil foram construídos ou reformados (alguns já inaugurados), e o valor disso tudo, hoje, já é 200% maior do que no orçamento inicial. De R$ 2,1 bilhões de reais, a cifra chega, atualmente, a 7,1 bilhões, e a tendência é que isso aumente ainda mais, uma vez que alguns estádios simplesmente terão de fechar para obras após o fim da Copa das Confederações.

A cereja no bolo: para a candidatura, em 2007, o Brasil prometeu que o dinheiro investido nessas obras faraônicas viria, todo, da iniciativa privada. Para a alegria minha, sua e de todos os contribuintes do país, 97% das obras são financiadas pelo Estado (entenda-se: meu bolso, seu bolso)!

Porém, amáveis leitores e leitoras, o real custo, por trás disso tudo, não pode ser aferido em cifras bancárias e cálculos simples. O exemplo figurativo que utilizei (investimentos na Copa) apenas ilustram uma realidade ainda pior. A má gestão do dinheiro público, em detrimento de áreas que requerem uma maior atenção, maior urgência. Saúde e educação, a meu ver, são as principais, e não é de hoje que vêm sendo tratadas como assunto secundário em nossa sociedade.

Um absurdo que li dia desses: os vereadores de Juazeiro, no Ceará, no intuito de reduzir os gastos municipais, aprovaram projeto de lei que reduz em até 40% o salário dos professores ligados à rede pública de ensino da cidade. Trocando em miúdos, pensaram eles: se precisamos cortar custos, o melhor a fazer é penalizar os professores, diminuindo seus salários, até porque quem exerce o magistério tem de fazer isso por amor! Caros, o mais ridículo e incongruente dessa história toda é que em junho do ano passado, essa mesma Câmara aprovou um aumento salarial de 100% aos membros dos poderes legislativo e executivo do município.


O choro da professora na imagem acima parte do desespero, fruto da total falta de perspectiva e segurança à qual sua profissão está relegada, bem como a própria lógica da importância da educação no país. O tapa na cara que recebeu não pode sequer ser dimensionado em palavras, mas representa um quadro, sob todos os aspectos, aterrador: a valorização do professor é inversamente proporcional ao investimento governamental em estádios modernos, ao estilo europeu. Ou seja, intentamos copiar dos gringos a tecnologia das arenas futebolísticas, mas quando se fala em educação, a adoção de boas práticas não passa do discurso.

Infelizmente, o luxo do descaso com o ensino público não é privilégio apenas dos cidadãos de Juazeiro.

Estive, dia desses, na fila do banco durante um bom tempo (mais do que gostaria, inclusive), e não pude deixar de ouvir a conversa entre duas simpáticas senhoras ao meu lado. "Está vendo como o governo investe nas escolas? Meu neto anda, agora, com um computador que o governo deu!". De imediato, lembrei-me do caso contado por um amigo, também professor, sobre alguns alunos seus (não muito chegados a frequentar aulas) terem se juntado pra montar uma lan house com os tais notebooks (são tablets híbridos, me parece, distribuídos pelo Governo de Pernambuco) que haviam recebido da escola. Resumo desta ópera risível e decepcionante: comprar aparelhos eletrônicos é muito fácil, bem como sair distribuindo entre os alunos; "difícil" (intencionalmente entre aspas, porque só é difícil para aqueles que possuem um nível de mau caratismo acima da média) é investir na real inclusão digital das escolas públicas do país.

Ou só o aparelho poderia ser responsável por uma revolução educacional? A mesma pergunta, estendo para os estádios da Copa. Há quem defenda  que estas obras, e a realização da copa, poderão fazer uma revolução desenvolvimentista no país (estádios modernos, aeroportos modernos, novas vagas de emprego, melhorias urbanas, etc, etc.). Mas, só pelo fato de termos novos estádios, temos garantias de que nos tornaremos mais desenvolvidos? O elefante branco chamado Estádio Olímpico João Havelange não ensinou nada a ninguém? Construído a não mais que 6 anos atrás, está fechado, sem condições estruturais para receber os jogos dos times cariocas. E o dinheiro injetado nele foi público!

Da lan house dos alunos às arenas luxuosas construídas para a Copa do Mundo, uma ponte se constrói, cimentada pela cara de pau dos gestores públicos. O estádio moderno, o notebook/tablet super tecnológico, são meros objetos de fetiche, instrumentos sabiamente utilizados pelos gestores públicos pra esfregar na cara do contribuinte que "nós estamos fazendo ótimo uso do seu dinheiro!"; "Olha o que eu comprei/fiz pra você!". E o que muito me admira são os aplausos da plateia a esse tipo de iniciativa.

Enquanto a bola rola no gramado, e os estádios ficam lotados, um futuro muito mais importante e urgente vai se deteriorando, entre escolas depredadas e professores mal pagos e desvalorizados: o de nossos filhos.

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