Livros - A cidade do sol




Prof. Pablo Michel Magalhães
Redação d'O Historiante

É comum pensar Afeganistão e lembrar, automaticamente, de terrorismo, Bin Laden, Talibã, fanatismo e mortes. Estamos mais do que condicionados a resumir a história e a cultura deste país a estes elementos. A mídia higienizada, direitista, norte-americanizada fornece sua versão, a dos heróis estadunidenses, lutadores incansáveis da paz contra o mal.

Pois bem, para além disso, o que há no Afeganistão que nós simplesmente ignoramos? Acima de tudo, assim como eu e você, caro leitor, neste país há pessoas de carne e osso, sentimentos e angústias, e que querem, acima de tudo, estar em paz, viver em paz. Resumir a população ao grupo Talibã, a Bin Laden e a organizações terroristas é desconsiderar a existência de um povo que não apoia a violência armada, e que sofre há décadas com intervenções exteriores.


Há não muito tempo pude conhecer um pouco mais desse Afeganistão antes do Talibã, através do livro de Khaled Hosseini, A Cidade do Sol. O autor traz à luz elementos fundamentais, para reflexão do leitor: o espaço do feminino na sociedade; casamento e família; política nacional e a ascensão ao poder dos Talibãs. Tudo isso, embalado pela história central de duas mulheres afegãs, Mariam e Laila.



Mariam, filha ilegítima de um rico homem da cidade, é rejeitada pelo pai e pela família deste. Aos 15 anos, ao tentar fazer contato com ele, fica órfã de mãe (esta cometeu suicídio, ao saber que Mariam tinha a desobedecido e ido à cidade, ver o pai e sua família). Sem perspectivas, ela é obrigada a se casar com um sapateiro de 30 anos de idade, Rashid, uma vez que as mulheres do seu pai não toleravam a presença dela em casa. É neste enlace matrimonial compulsório que Mariam vai passar a sofrer as mais diversas torturas físicas e mentais. Tratada como empregada doméstica, só recebe respeito quando engravida (o marido desejava ter um filho homem); insultada, não podia questionar as decisões dele, sob ameaça de apanhar.

Laila, jovem filha de um professor, recebe uma boa educação e planeja um futuro promissor para si. Apaixonada e correspondida, tinha uma ideia romântica de casamento, ainda que isso não fizesse parte dos seus planos tão cedo. Fazer uma faculdade, trabalhar, prosperar em sua vida profissional, eram alguns dos sonhos possíveis da menina. Porém, no decorrer da guerra que assola o Afeganistão (e que culminará com a tomada de poder pelos Talibãs, vistos à época como heróis por boa parte da população), um míssil destrói a casa de Laila, quando ela e seus pais planejavam ir embora do país. Órfã, grávida, viu-se obrigada a casar com Rashid, o marido de Mariam (de acordo com a tradição islâmica, um homem pode ter tantas mulheres quanto puder sustentar satisfatoriamente).

As duas personagens representam dois contrapontos, duas realidades: Mariam, a moça do interior, da cidade pequena, enraizada nos costumes e tradições; Laila, a moça de Cabul, filha de professor, com um futuro promissor, pensando em faculdade, trabalho, satisfação pessoal e impulsionada pelo pai.

Entre o vai e vem dos capítulos, que hora são contados a partir do ponto de vista de Mariam, hora do ponto de vista de Laila, Hosseini vai mostrando como estas duas mulheres passam de inimigas desconfiadas a amigas, construindo uma relação que chega ao afeto de irmãs. Unidas, elas buscam resistir à violência e brutalidade de Rashid (personificação do patriarca despótico, símbolo de um Talibã ultra-conservador, que obriga às mulheres o uso da burca).

O livro A Cidade do Sol promove uma reflexão sobre a cultura e os costumes no Afeganistão, antes e depois da guerra civil: neste país, grandes esculturas de Buda, esculpidas em rocha, os Budas de Bamyian, foram destruídas por ordem dos fundamentalistas do Talibã, em 2001. Considerados patrimônio da humanidade, esses gigantescos objetos arquitetônicos ficavam em uma região budista (até o século XIX, quando da invasão islâmica) do Afeganistão.



As mulheres foram as que mais sofreram com a onda conservadora/fundamentalista dos Talibãs. Passaram a ser impedidas de estudar, tinham de se reportar sempre a seus maridos para tudo, eram obrigadas a esconder-se em burcas e serem totalmente submissas aos homens. Andar sozinha na rua era quase que um crime. (Obviamente, não vamos estender isso a todo o Islã; lembre-se: falamos, especificamente, sobre o islamismo praticado pelo grupo Talibã, que desde 1996 até 2001 governou efetivamente o Afeganistão).

Mas Khaled Hosseini reserva um fim compensador para nossas protagonistas. Quer saber qual? Descubra lendo a obra A Cidade do Sol. Um mergulho na história do Afeganistão, suas tradições e costumes, para além dos lugares comuns que muitos simplesmente repetem inconscientemente. 

Comentários

Daiane disse…
Amei sua rezenha do livro...
Fico sem palavras com ele, momento estou relendo ele, e chorando junto com as protagonistas (Estou na parte em que Laila fica orfã, ai meu coração não aguenta a morte do Tariq... O autor podia tanto ter deixado a possivel morte dele em aberto, pra ter a possibilidade da Laila ter encontrado ele no final, mas enfim...) Aprendi tanto com esse livro, foi através dele que pesquisei melhor sobre a história do Afeganistão, e dos grupos terrorista, sou simplismente apaixonada por essa obra prima! Recomendo a todos!!
Unknown disse…
Obrigado, Daiane. É um dos meus livros preferidos. É profundo, difícil, árido; ao mesmo tempo, é belo, sentimental. Fiquei profundamente tocado com ele.

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