Filmes - Panteras Negras





Prof. André Araújo
Redação d'O Historiante



Quando se fala sobre população, território e cultura negra, em muitos veículos de comunicação e livros didáticos, geralmente associa-se tais questões a escravos, enquanto população; áfrica, enquanto território; danças, comidas típicas e religiosidade como cultura negra. Componentes importantes na formação da identidade cultural de um povo e referências, sem dúvidas, que não devem ser esquecidas como parte do legado da população da diáspora africana. Porém, se pensamos em avançar nas questões de direitos humanos e reparação histórica de uma população violentada por sua etnia, outras questões tem que ser matizadas. Não se pode prender este segmento a seu passado, mas utilizar suas referencias históricas, nos mais diversos momentos, propondo soluções na luta contra o racismo. Afastando-nos da experiência da escravidão, trazemos à luz os “Black Panthers” como uma das possibilidades de luta contra o racismo nos EUA.

Período de intensa mobilização política da comunidade negra dos EUA, os anos 1960 foram um marco para o crescimento da “democracia americana”, que até o momento era uma democracia seletiva, onde brancos gozavam de privilégios em espaços públicos e privados em detrimento da população negra, historicamente explorada e estigmatizada. Nos EUA, embora a constituição garantisse igualdade de direitos a todos os cidadãos, a independência dos estados e as leis garantiam a ideia de “separados, mas iguais” e perduraram até mais da metade do século XX. Tudo isso, fruto de uma abolição da escravidão que não garantiu igualdade de direitos de fato, muito menos reparação, mas, sobretudo, demonstra que a população branca norte-americana não queria perder seus privilégios.

Após intensa pressão de setores da sociedade civil, o presidente John Kennedy passou a afirmar que o racismo era incompatível com a democracia americana, e que as leis tinham que se adequar aos novos tempos para garantir a paz e a democracia plena nos EUA. Não conseguiu assinar a lei dos direitos civis para que as práticas racistas fossem abolidas, em virtude do seu assassinato. Coube a Lyndon Johnson assinar tal lei. A lei dos direitos civis em 1964, que extinguia as leis segregacionistas, pondo fim à fundamentação legal para práticas racistas, como as práticas que limitavam o direito ao voto da população afro-americana e a separação de pessoas em um ônibus e demais locais públicos, por exemplo, não garantiu igualdade de direitos a todos os cidadãos efetivamente.

1960 foi uma década onde apareceram sujeitos como Martin Luther King e Malcolm X afirmando que, dentro da sociedade norte-americana, não cabiam mais praticas racistas, porém, utilizando discursos diferentes. Luther King, e sua famosa caminhada sobre Washington em 1964, dizia ter um sonho (“I have a dream!”) e, nesse sonho, o princípio da não-violência era apregoado. Malcolm dizia que o principio da não violência para os afro-americanos só era possível para os que não eram violentos com a população negra. Segundo Malcolm, os negros já estavam cansados de tanta opressão e caso o Estado não garantisse a plenitude de direitos, caso não garantisse a dignidade humana, era um Estado que não servia mais para essa população.

Entre a ação violenta e a não violência, o que estava explícito era que a população afro-americana estava disposta a propor políticas para si e não ser mais tutelada por um governo historicamente racista. Embora a lei dos direitos civis já tivesse sido assinada, a sociedade e seus agentes públicos e cidadãos comuns ainda estavam imbuídos de forte preconceito racial. Neste contexto, para fazer valer seus direitos de forma efetiva e superar o racismo institucional nos EUA, surgiu em 1966 o grupo denominado Black Panther Party for Self-Defense (Partido Pantera Negra para Auto-defesa). Um grupo de inspiração marxista (em plena Guerra Fria), que conseguiu bastante atenção das autoridades americanas, pois conseguiram congregar dois ideais que comporiam dois grandes medos das elites norte-americanas: o perigo vermelho (as idéias comunistas) e o medo de uma revolta étnica, em virtude dos séculos de violência com a população negra. Chegaram a ser considerados como a maior ameaça à ordem interna dos EUA.

“All power to the people” (Todo poder para o povo)! Com este lema, afro-americanos tomaram as ruas dos EUA e buscaram a garantia de seus direitos civis enquanto população organizada e ciente que nem mais um passo atrás poderia ser dado na luta contra o racismo. Os Panteras Negras, além da proteção dos guetos contra a violência policial, buscaram realizar ações para conscientizar a população sobre as nefastas e sorrateiras práticas que o racismo inculcava nas pessoas. Reproduzindo a máxima Yes, I'm Black.  I'm Proud of It” (Eu sou negro e orgulhoso disso) atuaram dentro dos guetos norte-americanos, buscando exaltar o legado da cultura de origem africana, re-significando-a nos EUA. Evidenciando novas concepções estéticas e colocando o negro como possibilidade política e cultural, os Black Panthers formaram uma possibilidade que influenciou diversos movimentos ao redor do mundo. O seu programa com 10 pontos para garantir a emancipação da população negra foram referências fortíssimas para movimentos de emancipação étnica por todo mundo.

O filme que aqui indico, antes de ser uma biografia, um raio-x do que fora o movimento dos Panteras Negras, busca evidenciar que igualdade legal de direitos não significa igualdade plena de direitos e que, de tempos em tempos, a população tem que lutar para garantir, de fato, seus direitos. As elites não prezam por igualdade, enquanto esta por definição significar equilíbrio de forças. O filme faz denúncia também sobre a forma como o próprio governo norte-americano dialogou com a ilegalidade, para enfraquecer o movimento crescente incitado pelos Black Panthers, através da inserção de drogas nas comunidades negras com finalidade de desestruturá-las. Os governantes pensaram que seria um problema exclusivo desta comunidade, porém o tiro saiu pela culatra, e as drogas sintéticas despejadas nos guetos entre a década de 60/70 hoje são um dos maiores problemas de saúde publica e violência nos EUA.

Inspirador, crítico, contemporâneo e uma alerta. O filme dos Panteras Negras, lançado em 1995, nos faz lembrar que a injustiça social tem raízes históricas, onde grupos bem definidos disputam poder e as elites buscam a manutenção de um “status quo” (manutenção de uma situação atual, sem perdas de privilégios) para os que são privilegiados, em detrimento daqueles que desejam dignidade e plenitude de direitos. Os Panteras Negras, além da estética Black Power, influenciaram dentro do esporte, como nos exemplos dos atletas Tommie Smith e John Carlos, dois atletas norte-americanos que foram banidos dos jogos olímpicos de 1968 em virtude de sua saudação “Black Power” (braço estendido, punho fechado e uma luva preta) durante a cerimônia de premiação da modalidade. No caso do lutador brasileiro de taekwondo Diogo Silva, que protestava contra a falta de apoio ao esporte no Brasil, demonstrando que embora não constituindo mais um partido, os Black Panthers foram e são ainda uma importante referência na luta pela igualdade direitos e emancipação da população negra.



Comentários

Carl Lima disse…
Mestre André sempre com o refino na escrita, e mais, com indicações importantes da sétima arte. Só faltou relatar o nome de alguns membros dos Panteras Negras. Cadê nossa grande Angela Davis....
Kássius Kennedy disse…
Boa análise do movimento e boa abordagem do filme.

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