Livro - O Santo Inquérito
Prof.André Araújo
Redação d' O Historiante
Silas Malafaia foi entrevistado por Marília Gabriela nesta semana e fora, sem dúvidas, um dos assuntos mais comentados da semana. Contrariando a máxima que “política, religião e futebol não se discutem”, no programa de entrevista da Marília Gabriela só faltou uma discussão futebolística para desfazer esta tríade perversa e “maldita”, pois tudo que é humano não é definitivo, e, necessariamente, deve ser compreendido a partir do dialogo, da discussão, mas, sempre, sob a ótica do respeito, evidentemente. Acredito que seria pedir demais um programa tão universal (sem querer fazer trocadilho com a concorrente da igreja do pastor Malafaia), portanto, fico satisfeito pelos aspectos políticos e religiosos trazidos à tona e, sobretudo, a certeza que nestes três campos o respeito é fundamental e, mais ainda, o silêncio diante de qualquer intolerância é extremamente prejudicial à construção de uma sociedade solidária e mais justa.
Campos férteis para produções culturais comprometidas com discussões que busquem libertar o espírito humano de quaisquer fundamentalismos e atitudes intolerantes a literatura, a música, o cinema e o teatro (sim, esse velho e pouco frequentado espaço) tornam-se desta forma instrumentos pedagógicos fundamentais na construção dos sujeitos. O Historiante hoje traz como dica cultural, inspirado pelo show de intolerância do referido pastor, uma obra vinda do teatro, escrita em 1966 (ano em que o Brasil vivia uma ditadura civil-militar) chamada O Santo Inquerito, do dramaturgo Dias Gomes – autor de obras bastante conhecidas do público brasileiro como as telenovelas O bem-amado (1973), Saramandaia (1976), Roque Santeiro (1985/1986), Araponga; Minisséries como O pagador de promessas (1988) (esta obra disponível em filme também); Noivas de Copacabana (1993); Decadência (1994); O fim do mundo (1996).
O enfrentamento que pessoas simples empreenderam para superar discursos e práticas impostas pelas elites clericais, e a demonstração de como é importante não declinar de seus anseios se se quer construir um mundo onde o bem-estar de todos é o horizonte desejável, são alguns pontos da mensagem que Dias Gomes tenta passar nesta ótima peça.
A emocionante historia de Branca Dias, julgada por ser suspeita de cometer heresias, e sua luta para não se submeter aos desígnios da Igreja Católica – mesmo que seja uma luta simples e inocente – reflete a preocupação do autor em buscar alinhar arte e compromisso com questões sociais vigentes. No caso desta peça, a analogia entre o governo e a Igreja Católica é evidente. A peça escrita num momento de tensão no Brasil busca retratar a dificuldade de comunicação entre as pessoas e como os resultados desta tragédia da incomunicabilidade pode incorrer nas mais atrozes conseqüências. O tema da Inquisição, retratado durante um período de exceção, ganha contornos de flagrante denuncia da opressão e estupidez que cercava os brasileiros naquele momento. Além de inspiradora, emocionante e instrutiva, esta peça não é muito conhecida do grande publico, cada vez mais habituado à televisão e cinema, e, sem dúvidas, é uma das grandes obras do teatro moderno e deste grande dramaturgo. A peça envolve religião, paixão, sentimentos que afloram no espírito humano, questionando a ordem estabelecida. Amor de padre? Tem sim, senhor! Ciúmes? Tem sim, senhor! Sem querer ser de linguagem difícil, muito pelo contrário, a peça envolve uma trama simples com questões complexas que não caberiam em um dia inteiro de discussão, e a leitura é muito agradável.
Além do lazer, a peça busca passar uma mensagem que pode ser utilizada como instrumento pedagógico em diversos momentos, principalmente em discussões onde apareçam “donos da verdade” tentando impor uma visão de mundo unívoca. É um bom ponto de partida, por exemplo, para se discutir o flagrante desrespeito do pastor Silas Malafaia nesta ultima semana. A própria visão de mundo do pastor e suas concepções religiosas devem ser respeitadas. Sua religiosidade não deve ser rechaçada, muito menos em nome de outra religião. Esta espécie de proselitismo só reforça e dissemina práticas de intolerância religiosa. Mas, aceitar que um sujeito com amplo acesso a meios de comunicação de massa fique julgando pessoas e incutindo na população uma serie de preconceitos sobre afetividade, dentre outras questões, declarando publicamente que “quer influenciar na política e na sociedade como um todo” é muito perigoso, e todo silêncio que acompanha tais práticas é um sinal de cumplicidade que não deve ser defendido.
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