Um grito de Justiça!

Artigo de Joyce Oliveira Pereira.




Filme: Daens, um grito de justiça. Favourite Films, Films Dérives, 1993,138 minutos.

O longa metragem se ambienta na região dos países baixos, Bélgica, Holanda mantendo contato com a França, por isso é notório a diversidade de línguas faladas durante o filme todo. Pode-se destacar aqui a língua francesa como característica da fala da burguesia enquanto os proletários são falantes do flamengo, língua neerlandesa falada da Bélgica, pertencente ao grupo étnico dos flamengos, que historicamente são pertencentes à atual região de Flandres.



A cidade de Aalst fica situada na região de Flandres Oriental, na Bélgica e, nessa localidade que a atuação do Padre Adolf Daens (1839-1907), de origem flamenga que denunciou a exploração sofrida pelos operários no final do século XIX, foi retratada demonstrando as contradições existentes entre a riqueza de poucos, a pobreza de muitos, a posição da  Igreja Católica perante à esse conflito de classes.
Muito verossímil ao período, pode-se tomar algumas situações como pontos principais de discussão, a exemplo o assédio e a violência sexual a que as meninas e mulheres estavam submetidas. Logo no inicio temos a morte de ‘Nini, xoxota molha’, uma menina que aparentava ter doze anos que estava grávida vitima provavelmente de estupro cometido pelo supervisor da fábrica. Este mesmo, que assediava Nette durante o trabalho e também acabou por estuprá-la. E, mesmo as pessoas sabendo que esse agressor cometia esse crime várias vezes, a maioria das pessoas imputava às vitimas a culpa.
A exploração e o abandono de crianças era recorrente mesmo os pais estando vivos ou mortos. Tal mão-de-obra era usada em larga escala quando se objetivava diminuir os gastos com a produção e obter lucros mais altos. Muitas dessas crianças, morriam de frio, fome ou se tornavam ladrões tendo em vista uma forma de resistência nesse mundo tão hostil. O que se percebe, a grosso modo é uma desumanização dos sujeitos, a ponto de violações de direitos de tornarem algo comum e naturalizados. 
O alcoolismo presente entre os adultos se mostrava como saída da realidade tão difícil, em que a comida era disputada entre todos, geralmente sendo restrita à pão, sopa rala ou só batatas. Essas condições de vida serviam de diversão aos burgueses em espetáculos teatrais e, estes utilizavam dentro das suas razões que não podiam pagar mais aos operários justamente porquê eles bebiam. Isso pode ser explicado pelas teorias cientificas e racistas correntes na época apoiadas numa medicina social que percebia que a pobreza era gerada pelos pobres e, que isso era dessa forma devido aos ‘vícios’. Trocando em miúdos, diferentemente do que se sabe hoje, eles não conheciam vetores de doenças ligados às péssimas condições de vida, o que era defendido que seria necessário um controle dessas populações viciosas através da cadeia ou do hospício.
Nas fábricas, o ambiente insalubre é permeado por acidentes trabalhos e, pela violência moral e psicológica através da intimidação e das multas aplicadas constantemente pelos supervisores. Sem nenhum tipo de garantia trabalhistas, os operários são submetidos ao bel prazer do empregador, que pode exclui-los pela adoção de ‘modelos’, a exemplo do modelo escocês que só usava mulheres e crianças, ou por não cumprir seus mandos políticos. 
Nessa conjuntura que o padre Daens chega à cidade de Aalst e com as leituras da Enciclica Rerum Novarum começou a denunciar as péssimas condições a que os operários estavam submetidos. Tal documento eclesiástico versava sobre como a Igreja estava preocupada com os proletários porém acentuava bem como essas contradições sociais não podiam ser resolvidas através de um afastamento do catolicismo. Bem evidente, fica a influencia do socialismo no meio operariado, o que os diferenciava dos outros, já que os socialistas tinham suas organizações, sabiam ler e, também eram mal vistos pelos cristãos.
O padre Daens foi acusado de contrariar a Igreja, já que muitas vezes os burgueses o acusaram de ser socialista. No entanto, ele apontava que seguia as orientações da Rerum Novarum e, foi perceptível os interditos que ele sofreu dos superiores, inclusive sendo apontado como causa da condenação ao inferno dos seus seguidores. Por esse motivo, ele resolveu abandonar o hábito para ficar apenas no âmbito da política. Durante todo o filme, a distância entre o clericalismo e o povo demonstra que não havia um interesse real de alterar o status quo da sociedade.


Os comedores de batata, de Vincent Van Gogh

Quadro de 1885 representa através da estética realista a pobreza dos camponeses dos Países Baixos. No filme Daens, um grito de justiça é possível observar como as batatas eram essenciais na alimentação dos operários.

Bibliografia:
ENGELS ,Friedrich A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008.
HOSBSBAWN, Eric. A Era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1979.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 16 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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