Filme - Serra Pelada.

Prof. Pablo Michel Magalhães
Redação d'O Historiante



Para começar, o pernambucano Heitor Dhalia. Em seu currículo, filmes como O Cheiro do Ralo (resenhado aqui pelo caro amigo Carl Lima), À deriva e o hollywoodiano Gone (12 horas, no Brasil). Em um modo geral, Dhalia imprime nos filmes que dirige uma marca própria, desde a construção do roteiro até a criação dos personagens, passando pela própria produção de cada longa. À exceção de Gone (12 horas), onde ficou limitado pelas amarras do estúdio norte-americano e pouco influiu na concepção da trama, o diretor pernambucano, seja trabalhando com adaptação literária para as telonas, como em O Cheiro do Ralo, quanto produzindo obra conceitual e inédita, caso e À deriva, consegue desenvolver ótimos trabalhos fílmicos.


Mas hoje estamos aqui por causa de um outro filme, bem mais recente e em minha opinião, obra que merece ser coroada como ópera máxima de Dhalia (até o momento, claro, porque esperamos que ele produza muito mais coisas, para nossa alegria!). Falo do filme Serra Pelada, que esteve recentemente estampando os cartazes das salas de cinema do país. Em uma produção ousada, Dhalia reviveu o formigueiro humano da década de 1980 que era a serra, localizada no Estado do Pará e de onde foram extraídas, segundo estimativas, 30 toneladas de ouro. À sua época, Serra Pelada figurou no imaginário popular como um reduto do enriquecimento fácil, atraindo centenas de milhares de pessoas, em busca deste Eldorado. 



No filme de Dhalia, acompanhamos dois deles: um professor, Joaquim (Júlio Andrade) e seu amigo Juliano (o Casarré). Com ideais convergentes, mas distintos (o professor imagina que conseguirá angariar dinheiro suficiente para sua família; o Juliano quer mesmo aventurar-se), os dois tornam-se garimpeiros em uma das imensas crateras abertas. Logo, a realidade se mostra mais dura do que imaginavam: a luta pelo ouro ia além daquela travada com a lama nos garimpos, e gangues controlavam as principais jazidas de ouro. Homens poderosos são temidos, odiados e amados por aqueles que frequentavam os bordeis, bares e demais estabelecimentos de diversão aonde iam os trabalhadores, encher a cara de cachaça, flertar com prostitutas, e usar drogas, uma espécie de desafogo da realidade em que viviam.


Logo, os amigos "bamburraram", termo que indica que haviam encontrado ouro suficiente pra encher os bolsos e comprar o próprio buraco onde escavar mais do metal precioso. O poder e a riqueza que conseguem logo fazem os amigos se desentenderem: Juliano almeja um posto ao sol, e vê na vida dos poderosos do ouro, como os personagens interpretados por Matheus Nachtergaele e Wagner Moura, objeto de cobiça e desejo, apenas equiparado pelo mesmo sentimento que cultiva em relação à bela e sedutora Tereza, mulher de Coronel Carvalho (Nachtergaele). Em contraponto, o professor Joaquim sonha retornar à casa, para sua mulher e filhos, fugindo do inferno que tudo aquilo havia se transformado.


Serra Pelada é uma produção que faz aquilo que promete: insere o espectador no ambiente de sonhos e pesadelos, alegrias e tristezas, dinheiro e violência que a busca pelo ouro no Pará proporcionou. Além disso, Dhalia esteve sensível aos elementos históricos que envolviam os barrancos dourados. A intervenção do governo ditatorial brasileiro, que passou a explorar as transações financeiras instituindo uma agência da Caixa econômica federal no local, além de diversos outros órgãos, ligados às demais demandas locais (Companhia Brasileira de Alimentação, Correios, Polícias federal e militar, uma subsidiária da Vale S.A., etc.) fazem parte do desenrolar da trama. O garimpo em Serra Pelada havia atraído os olhares ávidos dos milicos sobre o ouro extraído, e o Estado (claro!) tinha de tirar sua parcela nisso tudo.

Não podemos terminar sem deixar uma rápida nota sobre o leve tom cômico impresso nos personagens, e aí vemos a mão do diretor agir. Apesar de o ambiente ser dos mais hostis, Dhalia não deixa a trama pesada demais. Há sempre espaço para um tom jocoso, ora sarcástico, ora leve e sutil, o que serve para quebrar a tensão. Fica a dica para esse ótimo filme, com claras possibilidades de utilização em sala de aula (3º ano do ensino médio), em especial ao tratar do período final da Ditadura Militar no Brasil.


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