O educador que estuda com os estudantes é mais bem sucedido que o professor que ensina aos alunos.




Profº Neto Almeida
Redação d'O Historiante


Nossas escolas são atrasadas quando tomamos o referencial tempo para caracterizar suas atividades. Verdade ou não a afirmativa acima remete ao problema da educação hoje no Brasil. Em muitas escolas, há logicamente exceções, encontramos estudantes que odeiam estar naquele local e, por vezes, preferem estar em qualquer outro espaço, menos nas temidas e enfadonhas salas de aula. Não é este um texto inovador, nem o primeiro a refletir sobre a prática de ensino predominante no Brasil. Contudo, promovo neste texto uma intensão de problematizar o porquê de tanto repúdio ao espaço onde deveria ser por essência um local privilegiado para vivenciar experiências numa das fases mais criativas da vida.


Começarei justamente pela criatividade. Falta criatividade nos nossos currículos escolares. É bem verdade que há muito tempo professores e coordenadores repetem as mesmas matérias e aulas nas salas de aula. Encontram de diferentes formas estudantes aborrecidos com tais conteúdos, sem a menor predisposição a estudar mais uma vez as inúmeras orações coordenadas assindéticas, por exemplo. As salas de aulas das escolas do Brasil em sua maioria ainda repetem o esquema ordenado das salas do final do século XIX, com cadeiras dispostas uma atrás da outra, em uma tentativa débil e insana de controlar as ações dos estudantes. E justamente por esses absurdos anacrônicos de controle acabamos formando tão mal os seres humanos. Educando de uma forma descontextualizada com o mundo contemporâneo.

Segundo. Acrescentados à falta de inovação nos currículos tem-se elaborado conteúdos que não condizem com inúmeras realidades possíveis de se encontrar na sala de aula. Por exemplo, citarei a minha área, a História. Uma das "mais fáceis" para relacionar se relacionar o conteúdo pedagógico e o cotidiano. Como tornarem importantes para um estudante as questões políticas de tantos reinados no período moderno na Europa? A primeira pergunta que o professor escuta ao apresentar tantos nomes de reis, políticos e pessoas distantes da realidade daquele estudante é – por que preciso aprender sobre isso? Em História é fácil responder tais questões, quando, depois de formados e cheios de conceitos, respondemos enquanto professores: ‘para você entender as condições políticas que influenciaram nossa formação’. Creio eu que o estudante continua sem saber o real motivo daquilo. Quando não o professor responde: "Por que vai cair na prova!". Matou o assunto, o estudante, a escola, o interesse, o homem que se formaria.




Nossos estudos são repetitivos e pouco conseguem empolgar uma sala inteira. Essa é a verdade. Acostumados ficamos em saber que uma turma tem um estudante que aprende rápido a matéria decorativa e sabe resolver o cálculo utilizando a fórmula que lhe foi apresentada no quadro branco de forma expositiva. Mas que não sabe como usa-la na vida cotidiana. E os outros 39 que não aprenderem sequer a utilizar a fórmula facílima que se refere à soma dos catetos e da hipotenusa (como eu)? Terão que buscar outra área de afinidade?

É estranho até encarar o termo estudante, utilizado aqui de propósito em alguns trechos. Essa é uma reflexão necessária e que deve ser premissa para se pensar o alvo da ação pedagógica. Utiliza-se comumente o termo aluno (o mesmo que – sem luz) para identificar aqueles que frequentam as nossas salas antigas de aulas. Creio que essa palavra não era para existir na escola. O termo aluno acaba indicando que os alvos da ação pedagógica são apáticos, sem brilho, sem a capacidade própria de enfrentar os problemas e aprender a solucioná-los. Não problemas metafísicos, mas problemas reais - para então poder voltar e aprender aquilo que não é de sua concretude.

Tratamos nossos "alunos" justamente como "alunos". Sem a menor capacidade de aprender algo por si só. Nos portamos como detentores de uma verdade e eles de uma "burrice inata". Com desculpas pelo uso da expressão, ofendemos o pobre animal (sempre detratado) o burro. Uma aula que se condiciona a ouvir o que o professor diz e não aquilo que os alunos entendem deve ter algum problema. Fico chateado quando chego a uma sala de adultos com mais de 20 anos de idade e peço para alguém falar e a sala se põe em absoluto silêncio, ficando apenas o sorriso discreto e amarelo lá na frente, esperando alguém iniciar. Isso já aconteceu comigo e uma das conclusões foram: ficamos tanto tempo na escola obedecendo a regra do faça silêncio, não fale, não converse, que quando crescemos nos tornamos adultos que não sabemos expressar as opiniões. As vezes nem temos uma opinião própria, ou somos pessoas que adoramos ser representadas e nos sentimos contempladas pelo simples fato que quando crianças fomos incentivadas a ficar calada.




Rubem Alves, um mestre na arte da escrita e da educação, uma vez falara que a palavra silêncio não deveria existir na escola. Passei certo tempo refletindo sobre isto. Hoje tenho uma opinião próxima à dele. Silêncio para um só expressar e derramar seus minutos de sabedoria para uma classe de alunos que não são estudantes? Porque ao formar uma aula para alunos e não para estudantes formamos uma educação autoritária e bem chula, diga-se de passagem. Entre o aluno, o estudante e o professor, passam uma boiada, velho ditado reinterpretado por mim. Professar algo que ninguém quer ouvir é difícil. Continuar com isto por mais de 100 anos parece-nos um erro.  Insistir no ensino como se nada estivesse errado mostra que precisamos parar e repensar nossas atividades enquanto professores, ou melhor, enquanto educadores.

A última vez que saí da sala de aula com um enorme prazer de ser um educador foi justamente quando menos contei a matéria e quando mais conversei com aqueles que se propuseram a serem estudantes naquela tarde. Não foram poucas as vezes que um círculo de conversa com questões que pareciam distantes de sua realidade os aproximou. Interessados em estudar e não de serem ensinados. Creio que o educador que estuda com os estudantes é mais bem sucedido que o professor que ensina aos alunos. Qual foi a última vez que você pensou em ser educador e largar de vez a profissão do professor?

Talvez, minhas inquietações esbarrem nas velhas e conhecidas condições de trabalho, nos baixos salários, no desinteresse pela educação, dentre outras desculpas. Mas, como sempre vejo isso na História, área que me apaixonei ao me aproximar para educar e ser educado, é preciso em todos os momentos repensarmos nossos paradigmas, nossas certezas e estarmos sempre fazendo uma atividade de reflexão. Fazer uma auto-crítica mesmo. Vejo mais isto na História do que na Educação. Espero não calar a voz daqueles que se propuseram a ler este texto até o fim e ouvir também o que teriam a dizer para este que tenta se aproximar da realidade de tantos estudantes e educadores. Construirmos juntos novos meios de educar e fazer escola. 


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