Angelina Jolie: vão-se as mamas fica o receio...
Prof. André Araújo
Redação d'O Historiante
Angelina Jolie, atriz, aos 37 anos, em plena atividade, anuncia ao mundo que fez uma dupla mastectomia (retirada dos seios) para reduzir as possibilidades de desenvolver um câncer na região, pois a sua mãe e a sua tia faleceram da mesma doença. O câncer é um dos males que amedrontam a humanidade, e a atitude de Jolie, um ícone hollywoodiano, sem dúvidas reforçou a ideia de que o desenvolvimento das ciências poderia ajudar a livrar a humanidade de seus males. O ideal iluminista, de que a razão nos guiaria rumo à felicidade, produziu uma serie de facilidades, com os avanços técnicos, mas também trouxe alguns problemas.
Redação d'O Historiante
Angelina Jolie, atriz, aos 37 anos, em plena atividade, anuncia ao mundo que fez uma dupla mastectomia (retirada dos seios) para reduzir as possibilidades de desenvolver um câncer na região, pois a sua mãe e a sua tia faleceram da mesma doença. O câncer é um dos males que amedrontam a humanidade, e a atitude de Jolie, um ícone hollywoodiano, sem dúvidas reforçou a ideia de que o desenvolvimento das ciências poderia ajudar a livrar a humanidade de seus males. O ideal iluminista, de que a razão nos guiaria rumo à felicidade, produziu uma serie de facilidades, com os avanços técnicos, mas também trouxe alguns problemas.
As luzes de Hiroshima, talvez, tenham sido o desfecho obscurantista
que fez a humanidade pensar que o caminho das luzes poderia ser tortuoso. Nessa
equação da vida, existe uma variante fundamental, que foge a quaisquer racionalizações,
o homem, ou melhor, os seres humanos. Pensar o desenvolvimento das ciências, a
ética, a especificidade dos indivíduos, a diversidade, mas também a ganância do
homem, corrupção, desigualdade e outras questões, é extremamente necessário para
analisarmos o “avanço” protagonizado pela belíssima Angelina Jolie.
Pensar o desenvolvimento das ciências médicas impõe um
esforço colossal e nos coloca diante do encontro entre humanidade, história e
um conflito ético. Os médicos constituem-se como um grupo profissional que mais
se interessam por história, excetuando os próprios historiadores, obviamente. Não
raro, formam núcleos de pesquisa em história da saúde, escrevendo e buscando
entender o desenvolvimento das práticas e dos saberes médicos. Tal interesse mereceu a atenção de um grande historiador, Carlo Ginzburg (através do livro “Mitos,
Emblemas, Sinais”), onde este busca refletir sobre uma forma de saber que aproxima
o desenvolvimento do pensamento histórico e o desenvolvimento do pensamento e a
prática da medicina.
Sem querer fazer nenhuma comparação entre medicina e
história, mas chamando a atenção para a aproximação entre as duas formas de
saber, vem um pensamento: O que aproxima essas duas formas de saber e por que
tanto interesse na trajetória dos homens no tempo? A medicina lida com o
sofrimento dos sujeitos e a inconformidade dos homens e mulheres diante de sua
frágil e implacável condição, a de que a morte chega para todos e não é
possível evitá-la, talvez apenas abreviá-la. A história, além de cumprir uma
função que é entreter as pessoas e ser uma atividade de leitura e pesquisa prazerosa,
tenta entender o percurso dos homens no tempo e dar sentido às trajetórias
humanas, buscando entender os porquês de algo ter sido de um jeito e não de
outro. Isso de forma subterrânea, de forma mais oculta, demonstra a nossa
vontade de não fazer morrer por completo os nossos antepassados. Faz com que
pretendamos dar sentido à vida dos que se foram e também nos faz pensar em
deixar nossa marca para o futuro, ou seja, se não se pode evitar a nossa morte
física, se pode pelo menos não fazer desaparecer por completo nossa existência.
A relação entre a medicina e a história, mais do que responder sobre vida e
morte, busca dar sentido à existência dos homens, e o laço que une essas duas
formas de saber é mais a vida do que a morte. O problema maior é quando um
saber ou outro (a história ou a medicina) busca prolongar a vida física ou as
memórias, de forma seletiva, desrespeitando justamente a própria existência dessas
vidas em todas as suas formas diversas. Por exemplo, descartando a vida de uma
pessoa (suas experiências e seu corpo físico) para salvar uma pessoa ou um
grupo de pessoas, como fizeram os alemães durante a Segunda Guerra; ou quando se supervaloriza um determinado grupo, fazendo com que este sempre seja lembrado
e se ignore outro, matando sua existência histórica, como fora feito em relação
aos africanos.
Após essas considerações sobre história, medicina, a vida, a
morte... voltemos à nossa bela atriz e seu caso. Quando Jolie anunciou ao mundo
sua cirurgia, me espantou a quantidade de números, cifras e percentuais
envolvidos na notícia. Vejamos algumas questões relatadas pela atriz, que tomou a
decisão após saber que uma mutação
genética aumentaria as probabilidades de ter câncer de mama (87%) e de ovário
(50%): relatou que sua mãe lutou contra o câncer durante quase uma década e
morreu aos 56 anos; falou a seus filhos que “não se preocupem, mas a verdade é
que tenho um gene defeituoso, o BRCA1, que aumenta drasticamente meu risco de
desenvolver um câncer de mama e de ovário” (imagino a educação biológica
de seus filhos!); o teste que a atriz realizou para saber dessa mutação
genética custa 3.000 dólares e todo o tratamento foi feito no Pink Lotus Breast
Center.
Ao New York Times
ela disse ainda: “Se escrevo agora sobre isto é porque espero que outras mulheres
possam beneficiar-se de minha experiência”; “Decidi não manter minha história
em segredo porque há muitas mulheres que não sabem que poderiam estar vivendo
sob a sombra do câncer. Tenho a esperança que elas, também, sejam capazes de
realizar exames genéticos e que, se tiverem um alto risco, saibam que há mais opções”,
admitindo e criticando o alto valor para a realização do exame, mas enfatizando
a crença de que é possível avançar. E concluiu com uma frase típica de livros
de auto-ajuda e a certeza de que o caminho de luzes trilhado pelas ciências anunciam
novamente “A vida está cheia de desafios. Os que não devem nos dar medo são os
que podemos enfrentar e podemos controlar”, conclui.
Muitas pessoas chamaram
atenção para a beleza da atitude da atriz e o triunfo da ciência como preservadora
da vida. Uma pessoa que trabalha com sua imagem e forma, segundo os críticos de
Hollywood, um dos casais mais belos do cinema junto com o Brad Pitt, declarar
que retirou seus seios para prevenir uma doença que mata muita gente (mais de
450 mil pessoas por ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde) soou
como algo até pedagógico. Como se ela fosse ficar sem seios! Esqueceram que
muitas atrizes recorrem a cirurgia apenas para resolver “problemas” estéticos?!
O que mais me chamou atenção foi a crença de muitas pessoas, assimilada sem críticas, de que estávamos no caminho de extermínio do câncer.
Ora, da admiração com a
atitude da bela e endinheirada atriz, me vem o pensamento de que as pessoas
poderiam se indignar com o preço que se estabelece sobre o “direito a possibilidade
de intervir na duração da vida” (U$3.000). O conhecimento e o direito à vida
deveria ser garantia básica de todos os indivíduos e o Estado deveria
garanti-los. Se no Brasil, um exame como esse, sendo realizado pela saúde
pública é algo quase utópico, imagina nos EUA que não tem algo semelhante ao
SUS (nos EUA não há sistema de saúde gratuito como o SUS)?
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(Medição de crânio) |
E uma questão tão
importante quanto o acesso gratuito a saúde é sobre a crença de melhoria do
homem através da genética. Esse debate nos faz voltar a um passado não tão
distante e lembrar de um sujeito chamado Francis Galton. Um sujeito que
desenvolveu teorias pseudo-cientificas que fundamentaram a eugenia - uma prática
científica da segunda metade do século XIX que pretendia melhorar a raça humana.
A partir desta seleção, que era racista, o Francis Galton (primo do
evolucionista Charles Darwin) pretendeu desenvolver, na teoria e na prática,
ações de esterilização de grupos mal-vistos para o melhoramento da raça humana.
Foi um dos princípios que fundamentaram o genocídio de judeus empreendidos
pelos nazistas. No Brasil, foi uma das bases do pensamento social da
criminologia (ciência que pretendia estudar os crimes para preveni-los e
aplicar penas condizentes com as características inatas dos criminosos),
fortemente influenciada pela publicação do “L'Uomo
Delinquente”, em 1876, por Cesarie Lombroso. Essa criminologia buscava as
causas da criminalidade no individuo e não investigava as suas causas sociais. Tendo
como perspectiva a ideia de que o homem branco estava no topo da cadeia
evolutiva do Homo Sapiens, atribuía vícios
e os diversos males à situação dos negros na escala evolutiva, justificando-as através
da medição de crânio e demais características físicas. Esta pseudo-ciência propunha
um desenvolvimento da raça humana extremamente seletivo e preconceituoso e que resultou
no genocídio dos judeus.
Galton ajudou a divulgar ideias de que a inferioridade
dos indivíduos é biológica, portanto, hereditária. Alardeava que se se queria
uma sociedade saudável era necessário criar métodos como a esterilização, a
segregação, a concessão de licenças para a realização de casamentos e a adoção
de leis de imigração restritiva. Na busca de melhorar a sociedade, os
cientistas desenvolveram absurdos, não para sua época e seu mundo, pois
acreditavam estar influenciando positivamente o mundo que viviam, mas absurdos
para nós que conhecemos as implicações que este “melhoramento da raça” resultou.
Um só caminho é uma ideia perigosa, mesmo que o das ciências,
principalmente quando ignora a diversidade, a pluralidade de experiências sobre
as quais as pessoas estão sujeitas. Pensar estes avanços na investigação
genética nos coloca diante do desafio de entender que essa melhoria do homem, o
mito da criação do super homem, tem origens controversas, seja dentro do plano
das idéias ou da atuação da medicina.
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(James Watson) |
Não sem embaraço a comunidade científica há
poucos anos foi surpreendida pela declaração do co-descobridor do DNA, James
Watson. Na oportunidade em 2007 ele disse: “negros são menos inteligentes de
que os brancos”. Em 1998, numa conferência na Universidade da Califórnia,
Watson declarou: “Se pudermos fazer um ser humano melhor por meio da
manipulação do gene, por que não o faríamos? O que há de errado nisso? Quem
está nos dizendo para não fazê-lo?”. As ciências são constituídas por homens e
mulheres em toda sua diversidade e não é um campo neutro. Nelas, interesses e
representações de mundo se reafirmam, seja buscando construir um mundo mais solidário
ou sectário.
Antes de celebramos a conquista e a coragem da Angelina
Jolie, penso que algumas questões devem ser postas: 1) sua mastectomia não a
salvou, apenas reduziu as possibilidades de um câncer nos seios (um câncer que
poderia ou não se desenvolver e os 5% restantes podem se manifestar ainda como
câncer, pois não é consenso dos médicos que a medida descarta o risco); 2)
espero que ela não morra e sua vida seja preservada, assim como deveria ser com
a vida de qualquer pessoa, independente da sua qualificação ou classe social;
3) será que esta prática de análise genética pode implicar em uma nova seleção
de indivíduos? 4) No mundo onde se fazem intervenções no corpo buscando o
embelezamento e a reprodução de um padrão de beleza, qual o papel guardado para
aqueles à margem do padrão e que não possuem uma conta bancária recheada para
fazer análises genéticas, ou pior, intervenções genéticas? 5) sem querer
demonstrar nenhum pessimismo com relação as ciências, pelo contrário, este
texto apenas busca refletir sobre a necessidade de se pensar nos riscos da investigação
e manipulação genética num mundo cravejado de preconceitos de toda sorte e
desigualdades econômicas profundas. Principalmente por este tipo de debate ser
travado no âmbito de um saber que já mostrou poder ser nocivo e que se reinventa
na figura de sujeitos, como o ex-coordenador do curso de medicina da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), o senhor Antonio Natalino Manta Dantas.
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(Antonio Natalino Manta Dantas) |
Em abril de
2008, este indivíduo atribuiu aos alunos a responsabilidade pela nota baixa
que o curso atingiu no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de
2007. Na opinião do ex-coordenador, o resultado ruim foi obtido por causa do baixo
QI (quociente de inteligência) dos alunos. Disse ainda a preconceituosa frase, que
nada honra os baianos: “O baiano toca
berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais [cordas], não conseguiria”.
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