Heranças senhoriais: a PEC das domésticas e a sociedade brasileira



Profª Joyce Pereira
Redação d'O Historiante



Com cerca de 1.100.000 resultados no Google, a PEC das Domésticas é notoriamente um dos assuntos mais debatidos neste início de ano. No mês de abril Guilherme Fiúza  disse:   “Agora o país comemora a Lei Áurea das domésticas, com ódio e nojo aos patrões” .  Mas, o que esta emenda constitucional, que estabelece os mesmos direitos dos trabalhadores "da rua"  aos trabalhadores "domésticos", traz à tona sobre a nossa sociedade?
A distinção entre os trabalhos considerados dignos aos senhores vem da Idade Média. Neste período, o trabalho manual era relegado aos servos e os senhores feudais tinham como obrigação defender seus servos e seu rei. Assim, havia a distinção entre os sujeitos: os senhores eram honrados por não praticarem nenhum ofício manual (como plantar, colher, cozinhar, fabricação de sapatos, roupas, dentre outros), enquanto os servos passavam à sua hereditariedade, esta "marca", este defeito, esta "desonra". Na Idade Moderna, com a expansão portuguesa para o Brasil, esta ideia aporta junto com os colonizadores lusos. Estes, distinguiam para si os trabalhos considerados dignos e reservaram aos trabalhadores com “defeito de mãos” inúmeras restrições à inserção política e social devido sua “desonra”.
A experiência escravista (séculos XVI-XIX) no Brasil relegou muitas dessas tarefas consideradas indignas aos trabalhadores escravos. Eles trabalhavam como cozinheiros, faxineiros, jardineiros, barbeiros e vendedores ambulantes.  No pós-abolição, a mão-de-obra que antigamente era escrava foi absorvida majoritariamente pelo trabalho doméstico. Deixou-se de ser escrava doméstica para se tornar empregada doméstica.

O incentivo do Estado em prol da imigração estrangeira branca, como força de trabalho ideal, criou um banco de mão-de-obra disponível de libertos. Os serviços destinados a eles eram precários e de baixa qualificação profissional. As relações estabelecidas entre os patrões e empregados estavam permeadas pela informalidade e relações de compadrio.
Após muitas lutas pelos direitos trabalhistas (iniciadas pelos imigrantes estrangeiros que trabalharam nas fábricas) em 1943, no período do Estado Novo, Getúlio Vargas outorgou as leis trabalhistas, criando um vínculo de gratidão entre os trabalhadores e o presidente. A CLT  tratava das relações entre patrões e empregados, das regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho, dentre outras regulamentações. Os serviçais domésticos não foram incluídos nesses benefícios. Ficaram ao sabor da vontade do patrão.
Em 2009, segundo o IBGE, 62,0% dos empregados domésticos eram considerados pretos ou pardos, com baixo índice de instrução  (em média de 4 a 7 anos de estudo se comparados ao resto da população) e 94,5% eram mulheres. Entre os anos 2003-2009, o emprego formal para essa categoria cresceu menos de 2%. Isto demonstra o quanto esse tipo de trabalho ainda é feito pelas camadas sociais mais baixas. Não é mera coincidência  que muitos desses empregados sejam descendentes de libertos.
No Brasil, ainda se relaciona  o trabalho doméstico com o trabalho escravo, daí toda a polêmica em  torno dos direitos dos trabalhadores domésticos. As atuais relações entre patrões e empregados domésticos são heranças de uma sociedade escravista.






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