Livro - A Mulher de Trinta Anos – Honoré de Balzac
Prof. Carl Lima
Redação d'O Historiante
“Não se nasce, torna-se mulher”. Esse é
o pensamento principal de Simone de Beouvoir no seu clássico “Segundo Sexo” (1948).
Numa ordem inversa, Honoré de Balzac, em 1835, propõe, influenciado pela
filosofia e pelas idéias mecanicistas e naturalistas do cartesianismo, que, embora se nascesse do sexo feminino, apenas tornava-se mulher aos 30 anos de
idade. Para o autor, essa idade representa o marco divisório da vida de uma
mulher, é a fase onde se encontra a maturidade, o conhecimento, a sublimação e
toda a subjetividade, tornado-se de fato o momento que, na relação com o sexo
oposto, no que tange a afetividade e a sedução, elas estariam no domínio e
exercendo uma hegemonia. Conforme a sua própria definição: “Uma mulher de
trinta anos possui atrativos irresistíveis para um rapaz; nada há mais natural,
mais poderosamente urdido e melhor preestabelecido do que as dedicações
profundas, de que a sociedade nos oferece tantos exemplos (...). De fato uma
jovem tem demasiadas ilusões, demasiada inexperiência, é o sexo o grande
cúmplice do seu amor, enquanto uma mulher – de trinta anos – conhece toda
extensão dos sacrifícios que tem a fazer" (Pág 103).
Guiado pelo percurso/trajetória que a
jovem Júlia tem a fazer, antes de chegar aos cabalísticos trinta anos – embora
retrate também os momentos ulteriores – o célebre Balzac, editor, impressor e
literato francês romântico, faz uma análise psicológica da personagem, privilegiando suas angústias, sonhos e todos os sentimentos de uma alma
feminina forjada no século XIX e, particularmente, no seio da burguesia francesa.
A “Mulher de Trinta Anos” (inicialmente
lançada sob o título de “Mesma História”, dentro de uma coleção denominada
Cenas da Vida Privada) causou um verdadeiro frisson no público leitor, composto
naquele período, principalmente por mulheres e estudantes (como toda obra do
Romantismo) devido ao seu formato e à sua narrativa. Assim, discutia-se nos
salões franceses se a obra seria um romance, um ensaio, um tratado de
psicologia feminina ou uma novela. Certo é que o texto tornou-se marcante e
reconhecido, desde já, como um dos clássicos da literatura universal.
A polêmica em torno de qual gênero
literário a obra faz parte fica por conta, principalmente, de como foram divididos seus capítulos e como se desenvolveram as respectivas construções. Assim,
percebemos nos seis capítulos (“Primeiros Erros”; “Sofrimentos Desconhecidos”;
“Aos Trinta Anos”; "O Dedo de Deus”; “Os Dois Encontros” e, finalmente, “Velhice de Mãe Culpada”, que foram escritos e lançados separadamente em formato
de novela num tablóide parisiense, apenas posteriormente lançados em coletânea) um pensamento contínuo e uniforme, marcado pela linearidade histórica e pela
temporalidade natural das suas personagens. Dessa forma, podemos notar na
narrativa as fases de sofrimentos, dúvidas e perturbações, estritamente
sentimentais, que marcaram as vidas dos dois protagonistas da história. O
ponto de partida disso se dá no mês de abril de 1813, quando a vida da jovem
Júlia encontra-se com a do seu futuro marido, o Coronel de cavalaria
Napoleônica Victor d’Aiglemont. Utilizando-se de uma retórica rica e atraente,
Balzac traça os caminhos e descaminhos dessa união (casamento), necessária para
a sociedade, mas um suplício para os verdadeiros amantes, união essa que só
será desfeita ou dissolvida legalmente, em nome da constituição francesa, após a
morte do marido.
Os caminhos tortuosos desse
relacionamento foram marcados:
1º) Pela ascensão social do casal, reconhecidos, logo após o casamento, como Marquês e Marquesa d’Aiglemont. É
válido acrescentar que esse título, mesmo sendo de inspiração/aspiração da
nobreza, nesse período, aproximadamente década de 1820, provinha da burguesia
nascente – comerciantes, banqueiros, industriais e, no caso do Senhor
d’Aiglemont, membros do generalato – que comprava esses títulos concedidos pelo
estado, mesmo na França pós-revolucionária, que regia as relações sociais dos
cidadãos a partir dos ideais do liberalismo constitucional.
2º) Pela rápida constatação da
infelicidade, oriunda de uma má escolha na Juventude, mas que, ao mesmo tempo, deveria ser mantida em nome das leis sociais e da felicidade de
sua primeira filha Helena.
Dentre tantos assuntos/conteúdos que
podem ser explorados na obra, destacamos o “ser mãe”, uma das principais, senão
a principal tarefa social feminina, subsidiada e continuamente reproduzida nos
discursos de Gênero relacionados a mulheres no século XIX burguês. Era através
da maternidade que a identidade da mulher seria delineada; “ser mãe” era uma
dádiva natural, porém, deveria ser cultivada no campo social. Não adiantava ser
apenas mãe, tinha que ser uma boa mãe. O exemplo ideal seria daquela mulher amorosa,
compreensiva, obediente, zelosa e que assumisse para si os cuidados dos futuros
cidadãos da França liberta. Assim, o papel de mãe, além de tudo, seria um
instrumento do estado liberal na manutenção da coesão social. No entanto, a
Marquesa d’ Aiglemont, no transcorrer dos capítulos, além de ter mais alguns
filhos somando um total de cinco, perde-se, paulatinamente, na medida em que aumentam suas frustrações, através dos sofrimentos emocionais, com o desejo e o
“instinto maternal” reservando para a sua prole nada mais que “afeições
bastante tíbias”
Portanto, a maternidade assume, no
transcorrer da obra, uma importância destacável, senão como objeto central, como transversal. Se a jovem Júlia descobre logo após a frustração do casamento
a maternidade como fonte mantenedora de sua existência, quando atinge a
maturidade de uma balzaquiana – aos trinta anos – admite-a como um estorvo e
como representação viva e material dos seus sofrimentos e desilusões
matrimoniais. Porém, no capítulo final, quando não lhe resta mais nada –
frescor, jovialidade, beleza, paixão – a Senhora d’Aiglemont (Júlia
envelhecida) reconhece a maternidade como sendo, dentre as performances
sociais, representados por uma mulher, a mais importante e que, de fato, lhe
traz alegria e valorização perante as leis sociais e naturais. Percebe-se nesse
último cenário, denominado “Velhice de Mãe Culpada”, a entrega de suas findantes
forças vitais, em detrimento da sua filha Moina, a mais jovem e única que lhe
restava, já que, por ter negligenciado a maternidade, tinha perdido
sucessivamente quatro filhos – Carlos, Gustavo, Abel e Helena.
Mesmo reconhecendo a literatura como
uma autêntica fonte histórica, temos que nos ater às características da
construção da estilística textual, sem perder de vista as determinações do
movimento literário a qual está inserida a obra. Também, antes de qualquer
coisa, devemos admitir as produções literárias como testemunhas históricas,
porém, concebendo-as como construções, permeadas pelas representações sociais de
seus autores. Assim, a obra tem que ser apreendida como uma versão e não como o
real acontecido, mesmo que essa obra seja, como foi a “Mulher de Trinta Anos”,
escrita e lançada no mesmo período e que tinha o intuito de retratar o cotidiano
das famílias burguesas na Paris pós-revolucionária, o que poderia lhe
credibilizar como uma narrativa que prime pela veracidade dos fatos, haja
vista a proximidade de Honoré de Balzac com os acontecimentos narrados. Não
podendo ser diferente, para analisar a obra em questão, temos que perceber a
construção das representações do autor a partir de suas experiências enquanto
membro da classe média urbana, intelectual avesso ao povo, conservador e
defensor de uma possível restauração monárquica. Só assim, poderemos compreender
sua ideologia e, por conseguinte a interpretação dos fatos narrados.
No sincronismo dos cenários – capítulos
– da obra, Honoré de Balzac retrata, mesmo que exageradamente, o cotidiano da
burguesia parisiense, com a perspicácia de um dos gênios da literatura. Ele nos
presenteia com uma análise descritiva das relações sociais burguesas que
estavam sendo construídas tacitamente na primeira metade do longo século XIX.
Mesmo com seu conservadorismo estampado, característica dos autores do Romantismo,
que tem na memória um passado idealizado e a necessidade de confrontá-lo com o
real vivido, o autor demonstra nas 196 páginas de “A Mulher de Trinta Anos”
como se dava o cotidiano de uma sociedade, que era antes de tudo transitória e
que buscava o devir.
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