A meritocracia na educação e a farsa dos índices de avaliação.
Profª Aline Martins
Redação d'O Historiante
Diante
das crises econômicas que se instalaram a partir da década de 1970
ao redor do mundo, a saída dos governos tem sido aprofundar as
politicas neoliberais, que foram difundidas no início do século XX
e reapareceram com mais vigor na década de 1980 com o presidente
Reagan (EUA) e a primeira-ministra da Inglaterra Margarteh Thatcher.
De acordo com a teoria neoliberal, o Estado deve ter participação
miníma nas políticas sociais (moradia, saúde, saneamento,
educação, previdência social, etc) sendo esta reponsabilidade
repassada a sociedade e empresas privadas, reproduzindo assim o
capital. O Estado passaria então a funcionar como uma empresa
privada, cujos objetivos devem ser: gastar pouco, ter
responsabilidade fiscal, ser eficiente, etc. E a solução para isso
é retirar direitos e privatizar estatais. A
partir da década de 1990, surge a “Terceira Via”, que nada mais
é do que a redefinição do neoliberalismo, onde o papel do Estado
passa a ser o de mero “gerenciador” dos direitos sociais,
ocorrendo assim a descentralização administrativa e a participação
da sociedade civil em substituição às ações do Estado. Entram em
cena as parcerias público-privadas, ONGS, Oss, etc.
E
o que a educação tem a ver com isso? A educação pública e as
demais áreas sociais começaram a ser submetidas a este modelo. Além
do avanço das parcerias público-privadas, ONGs e Oss, as politicas
públicas para a educação passam a se referenciar cada vez mais num
modelo de gestão baseado em presupostos da iniciativa privada:
produtividade, eficiência, mérito, avaliações de desempenho,
bonificações, etc.
Em
1995 foi lançado em Washington (EUA), com o apoio do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa da Promoção da
Reforma Educativa na América Latina (PREAL). Esta proposta de
reforma mobilizou um amplo setor do empresariado em torno da agenda
educacional. Participaram dele, desde o início: as fundações
Vitae, Odebrecht, Clemente Mariani, o Instituto Heberty Levy, o Pacto
de Minas pela educação e o UNICEF. O PREAL surgiu na esteira das
reformas neoliberais, já redefinidas pela Terceira Via. Em 1998 foi
a vez do Consenso de Washington, organizado pelo Banco Mundial, BIRD,
BID,UNESCO, USAID, UNICEF, que traçou medidas de ajuste para os
países da América Latina.
O
interesse desses organismos internacionais e dessas grandes empresas
está no fato de a escola ter um papel estratégico de adaptação e
perpetuação de valores que legitimam um modelo de sociabilidade que
se adapta aos seus objetivos: Uma escola a serviço das demandas do
capital, onde além de fornecer força de trabalho barata ela atenda
às necessidades de produção/reprodução do sistema produtivo. A
gestão do então Presidente Fernando Collor de Mello demarca a
entrada das politicas neoliberais no Brasil, o que irá se aprofundar
nos governos posteriores. Os governos começaram a tomar empréstimos
desses organismos, porém a linha de crédito era condicionada a uma
série de ajustes que seguem dois princípios básicos:
1-
Oferecer uma educação miníma e instrumental que transforma nossos
alunos em força de trabalho barata;
2-
Abertura de um novo e competitivo espaço de lucros para o
empresariado a custas de verbas públicas, através da entrada de
instituições privadas nas escolas e creches. Transformando, assim, o espaço
escolar, em um robusto mercado de pacotes e projetos pedagógicos.
Com
a preocupação em reduzir custos uma série de medidas passam a ser
tomadas, muitas vezes por secretários de educação que nada sabem
de educação, mas muito sabem de economia: Aumenta-se
o número de alunos por sala; Extinguem-se as classes especiais; Surge
a figura do professor polivalente, ou seja um professor apenas dá
aulas de diversas disciplinas sem ter formação para tal; Dá-se a
quase extinção de funcionários; A substituição de aumento
salarial por plano de carreira por bonificações de desempenho (14º
salário).
Ocorre
a perda da identidade do trabalho docente, o ataque à autonomia
pedagógica, os materiais: cadernos/apostilas e avaliações são
produzidos sem a participação dos professores, “simplificando”
a função pedagógica que, cada vez mais, vai sendo ministrada por
leigos, trainees, oficineiros, estagiários, amigos da escola, etc. Para
completar surgem os tutores e “supervisores” que irão verificar
e avaliar o que está sendo ministrado pelos profissionais cobrando
que as “metas” impostas sejam alcançadas. As direções viram
meros “gestores empresariais”. A elaboração coletiva é
substituída pela atuação individual, ocorre uma competição,
para ver quem consegue ser “premiado”. Há uma forte pressão
para a extinção dos sindicatos e os profissionais da educação ao
não se organizarem, ficam divididos e alienados, tornando-se mais
fácil aplicar essa politica.O assédio moral cresce.
Os
currículos são reestruturados. No Ensino médio, por exemplo, o MEC
já prepara um pacote propondo a redução do currículo das
disciplinas “obrigatórias” e a criação das áreas de
conhecimento. Estas mudanças significam um retrocesso pedagógico. E
os governos atuais, lamentavelmente, deram continuidade a essas
orientações, seguindo a agenda empresarial do compromisso “Todos
pela Educação”, lançado em 2006 no Museu do Ipirança (SP). Esta agenda selou um pacto entre o Estado e o Empresariado, tendo sido patrocinada por
entidades que hoje interferem diretamente na organização do
modelo de educação ofertado nas redes públicas: Grupo Pão de
Açúcar, Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Instituto
Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Fundação Educar D-Paschoal,
Instituto Itáu Cultural, Faça Parte-Instituto Brasil Voluntário,
Instituto Ayrton Senna, Cia Suzano, Banco ABN- Real, Banco Santander,
Fundação Xuxa Meneguel (mais recente), entre outros.
Os
governantes brasileiros, orientados pelos “reformistas
corporativos” (assim chamados, para se diferenciar dos
reformadores, realmente preocupados com uma educação de qualidade),
consideraram que o problema do nosso sistema educacional era uma
“crise de eficiência, eficácia e produtividade”. Ou seja, não
pode haver “desculpas” para a existência de escolas com notas
baixas em testes de múltipla escolha. Todas as crianças,
independente de pobreza, problemas de aprendizagem ou outras
condições, podem (e devem) atingir determinada proficiência e caso
eles não consigam, alguém deve ser responsabilizado. Este alguém
invariavelmente é o professor. Como solução, o país precisava
lançar mão do método da “qualidade Total”. Dentro de uma
perspectiva meritocrática (as posições hierárquicas seriam
conquistadas, em tese, com base no merecimento e esforço pessoais)
buscou-se criar mecanismos de “controle de qualidade”, através
do estabelecimento de metas, índices e constantes avaliações de
alunos/profissionais. As avaliações e indicadores de desempenho multiplicaram-se no país: ENADE, ENEM, SAEB, IDEB, Prova Brasil,
SARESP, SAERJ, IDERIO, etc.
Essas
avaliações externas, seguindo a perspectiva meritocrática, são
utilizadas para “premiar ou punir” professores e funcionários de
acordo com o resultado das provas, estabelecendo uma lógica de
remuneração variável. Uma avaliação classificatória que pretende
estabelecer salários diferentes de acordo com a produtividade de
cada escola, ou ainda, remover os “profissionais ruins” que não
auxiliam na melhora do resultado dos testes dos alunos. Esse sistema
já deu errado em vários lugares como EUA, Chile, São Paulo, Rio de
Janeiro, entre outros, porém continua a ser utilizado no Brasil.
A
própria ex-secretária adjunta de Educação dos EUA, Diane Ravitch,
que
ajudou
a implementar os programas educacionais de governo No
Child Left Behind e
Accountability,
que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em
metas, testes padronizados, responsabilização do professor pelo
desempenho do aluno e fechamento de escolas mal-avaliadas, para
melhorar a educação nos EUA mudou de ideia, após 20 anos, quanto a
estas políticas para a educação. De uma das principais defensoras
da reforma educacional americana, passou à crítica, como pode ser
verificado em uma entrevista (Clique aqui para ver a entrevista).
Ela
publicou em 2010 o livro “The
Death and Life of the Great American School System” (a
morte e a vida do grande sistema escolar americano – tradução
livre) em que diz que o sistema em vigor nos EUA está formando
apenas alunos treinados para fazer uma avaliação.Vários episódios de "Os Simpsons" já
trataram dessa questão colocada por Diana. (Confira aqui um dos episódios )
Um diagnóstico dos problemas da educação pública não deve ser evitado, porém estes tipos de avaliações não servem para isso. Os resultados do processos educativos dependem de muitas variáveis que não estão sob o controle dos profissionais da educação. Da forma como os sistemas de metas e desempenho estão organizados, eles não garantem a todos acesso a uma educação de qualidade.
Não
podemos esquecer da responsabilidade dos líderes municipais ou de
autoridades eleitas que decidem
questões cruciais como financiamento, tamanho da classe e
distribuição de recursos e como a educação pública brasileira
sofre, há décadas, com o descuido de sucessivos governos, que pecam
tanto pela falta de investimentos no setor (em melhorias estruturais,
em valorização profissional ou em assistência estudantil), quanto
pela falta de planejamento pedagógico e social de longo prazo. E
principalmente, não podemos esquecer que o acesso a uma educação
pública de qualidade é um dos diretos mais básicos garantidos pela
Constituição, ou deveria ser.
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