Livro - "Garotas tricolores, Deusas fardadas: as Normalistas em Feira de Santana (1925-1945)", de Ione Celeste de Sousa.
Prof. Carl Lima
Redação d'O Historiante
Garotas Tricolores,
Deusas Fardadas: as Normalistas em Feira de Santana (1925-1945),
inicialmente dissertação de mestrado defendida no programa de pós-graduação
(PPGHS) da PUC-SP, tem como objeto central o estudo da Escola Normal de Feira
de Santana, e a relação desta com o município que acabara de
conforma-se como a segunda maior cidade
do Estado da Bahia e que ostentava a
fama de modernidade e progresso que lhe garantiam o posto de “Princesa do Sertão”. O trabalho da
professora Ione Celeste tem um caráter extremamente relacional, tanto no que tange a Feira de Santana e o projeto moderno/civilizatório, emanado pela recém
instalada república, quanto no que condiz a Princesa do Sertão e a própria unidade escolar.
A
pesquisa caracteriza-se também por ampliar a
problemática inicial e tentar apreender dentro das relações sociais
hegemônicas, os processos de resistências dos grupos, ante o projeto de
civilidade e modernidade imposto. O cotidiano dessas normalistas fora marcado
pela modelagem e disciplinarização, mas ao mesmo tempo, pela rebeldia e dissimulação,
que lhes conferiam status de sujeitos
sociais, prenhes de certezas, dúvidas e contradições. Transformadas na
narrativa da historiadora como “humanas demasiadamente humanas”.
Escola Normal de Feira de Santana
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Para
trazer à luz o cotidiano das Normalistas e sua relação com a urbe, a pesquisadora lançou mão de uma diversidade de fontes. Segundo suas próprias
concepções, estão no texto divididas em: 1- Fontes oficiais impressas:
leis, decretos, legislação escolar, com relativo destaque para o decreto lei
1846, de 14/08/1925, que representou a reestruturação e a mudança de postura em
relação à educação da Bahia; 2- Fontes
Oficiais manuscritas: livros de
burocracia, inventário escolar, livro de tombo, e o mais importante deles, o
livro de portaria, que possibilitou a compreensão das práticas e estratégias de
resistência às normas; 3-Periódicos: uso de jornais que
circulavam na cidade durante o período estudado, destacando-se o Folha do Norte – mais velho em circulação
do interior – optando por dar ênfase às colunas sociais, que traziam notícias das garotas tricolores,
permitindo perceber a visão/opinião que a sociedade tinha delas; Fonte
Oral: Depoimento de dois sujeitos que fizeram parte do cotidiano da
Escola Normal, Dona Josenita Boaventura – ex-aluna e primeira diretora mulher
da Escola – e Péricles Ramos – professor
e diretor de destaque no recorte temporal estabelecido - ; 5- Fonte
Iconográfica: tanto de domínio público, quanto a pertencentes a particulares,
o uso desse tipo de fontes justifica-se na apreensão das possíveis mudanças na
cidade a partir da implantação da Escola.
Álbum de Formatura
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Metodologicamente, a pesquisa marcou-se pela sistematização e cruzamento de diversas fontes, procurando com
isso compreender, dentre outras coisas, as representações que a sociedade
tinha em relação à mulher, e especificamente a normalista, o ideal de educação
proposto pelos decretos-leis, e a mais importante: como as “Deusas Fardadas”
re-significavam as normatizações, e como essa práticas contribuíram no fazer-se
normalista.
Podemos
considerar a obra como um caleidoscópio teórico, facilmente perceptível no
referencial bibliográfico usado por Ione
Celeste de Sousa. No entanto, observamos que algumas dessas matrizes ganham relevância,
nesse sentido destacamos na pesquisa o flerte com a História da educação e com a História
das Mulheres.
Ao
buscar integrar a construção da Escola Normal de Feira de Santana a um projeto
amplo nacional, que percebia a educação
como vetor principal para retirar o Brasil do atraso e da ignorância, dando-lhe uma nova forma de
pensar, agir e sentir que o colocasse nos trilhos do progresso, a autora
contribuiu de forma assaz para uma História da Educação, dispendendo, assim, grande
fôlego para articular as formas de escolarização e letramento na vida urbana de
uma cidade do interior da Bahia que se queria progressista esquecendo de todas
as formas a sua memória e reminiscência rural/sertaneja.
Não com
menos relevância, a pesquisa enquadra-se na História das Mulheres, mas uma
história que prima pelas relações entre os sujeitos e que procura as especificidades, diferenças e particularidades
no cenário em
questão. Ione Celeste procura enfatizar a possível ambiguidade existente, de um lado aquele ideal de mulher
ligado ao espaço doméstico – continuidade de um imaginário patriarcal -, no
qual o lar era seu reino e do outro lado, como contraponto, aquele modelo imposto pelas novas
necessidades, materializada na figura das normalistas, futuras “sacerdotisas do saber”, peça importante na
engrenagem do projeto nacional. A essas meninas/mulheres lhes são confiadas uma
concessão de mulheres públicas especiais.
É a
partir da dicotomia anterior, que a autora lança mão do Gênero, como uma categoria de análise, capaz de desnaturalizar e compreender a
gênese e todo processo de construção da
ideia que o cuidar passou a ser admitida como uma atividade
essencialmente feminina, no qual se encaixa a docência primária, que seria
exercida pelas "deusas fardadas".
Assim, a autora conclui que para além de um modelo ideal de mulher, existia um especifico para as normalistas, marcado por valores como: empreendedorismo, capacidade, intelectualidade, virtuosidade e a
religiosidade. Nesse processo de construção do ser Normalista, percebia-se a importância de uma maior disciplinarização em comparação com a mulher doméstica. É válido acrescentar que, mesmo com um modelo imposto socialmente, poderia-se supor, em algumas atitudes e comportamentos, a existência de estratégias de resistência.
A
existência e o funcionamento da Escola Normal contribuíram para construção de um
novo modo de vida, que se baseava na modernização, na urbanização e no
progresso, diferindo em muito ou querendo a todo custo suprimir as minorias
rurais que eram vistas como antítese de tudo que se queria ter.
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