Educação doméstica X Educação escolar no Brasil: desafios, conflitos e perspectivas.
Prof. Juliano Mota
Redação d'O Historiante
Homeschooling, Unschooling, Ensino em casa, Escola em casa, Educação no lar, não
institucional, familiar. Esses termos são sinônimos de educação doméstica. Esta
modalidade, segundo a ANED (associação nacional de educação domiciliar), já
atinge a 1000 famílias em todo o Brasil, existe em 60 países do mundo e vem
promovendo uma discussão sobre a eficácia do papel da escola na sociedade
moderna e a função da família nesse processo educativo. Poderia a família ser a
única responsável pela educação escolar do individuo? Quais consequências para
a sociedade brasileira este tipo de educação pode vir a trazer?
Os núcleos familiares já exerciam a
educação escolar nos lares tupiniquins desde os tempos da colônia. Uma
significativa parcela das elites procedia desta forma por considerarem um
distintivo de posição social, também devido ao reduzido número de escolas na
América portuguesa e a chegada tardia de faculdades (séc. XIX) e universidades
(séc. XX) em solo brasileiro. Com o nascimento da República no Brasil, algumas
instituições passam a ganhar maior prestígio e respaldo, sendo uma delas a
escola. Com ideais laicos e científicos, ela passa a ser um espaço de
reprodução ideológica de concepções políticas, econômicas e até étnicas. As
várias correntes da pedagogia atreladas à conjuntura político-econômica vão
caracterizando mudanças, e com o desenvolvimento tecnológico, cada vez mais
acelerado, a escola não acompanha essas inovações, sendo cada vez menos
atrativa aos estudantes e mais exposta na fronteira dos diversos problemas
sociais.
Nesse contexto de descrédito das unidades de
ensino, a educação (principalmente escolar) vem, nos últimos tempos, sendo o
estandarte dos discursos inflamados de candidatos nas campanhas eleitorais,
produto “caro” para o estado, sistema capitalista e, principalmente, para as
mídias pelos lados aqui dos trópicos. Na mesma intensidade que os discursos
enviesados atribuem o sucesso ou fracasso de um país à educação (sem perceber
que um conjunto de outros fatores, sujeitos e conjunturas podem influir nesse
progresso ou retrocesso), vem se discutindo quais seriam os reais papeis da
família e escola na formação dos indivíduos, e se aquela não poderia acumular
as funções desta, devido ao insucesso nessa empreitada.
Ao pensarmos na escola como o local
por excelência da construção do saber, pensamos também que esta é um lugar de
socialização dos indivíduos, uma instituição democrática ou que, pelo menos em
seu ideal e organização, faz parte de uma construção recente de democracia em
nosso país, onde, diferentemente da família, o educando se vê com os seus pares
iguais, em que a hierarquia, apesar de existir, não vem carregada de um peso
socialmente construído pela ética e moral cristã, e onde a coletividade é sinal
vivo de diversidade, e não de diferença como sinônimo de desigualdade. A
família tem sim um papel muito importante, o de realizar uma socialização
primária, de iniciar, acompanhar e orientar o processo de integração do
indivíduo no meio social, mas, pela sua estrutura e organização, não tem a
mesma possibilidade de contemplar as diversas formas de vivência e convivência
democrática, além de estar muito mais distante da realidade democrática que irá
ajudar o educando na formação de sua personalidade para a vida social.
Em uma sociedade que valoriza tanto
a informação, onde a criticidade e o saber especializado são cada dia uma
presença constante e onde o conhecimento vale ouro, é também imprescindível vir
em defesa do exercício do magistério. Não estamos tratando apenas de
conhecedores em dada área, mas de formadores de opinião, mediadores de embates,
gerenciadores de sonhos, pessoas que constroem saberes mediante as adversidades
que só uma democracia em busca de sua plenitude pode apresentar. Logramos tanto
conquistar instituições democraticamente sólidas ou que mesmo passando por
crises (uma vez que faz parte do processo de construção da identidade social),
conseguissem expressar a pluralidade sem coerções. Podemos vir a retroceder caso
nos escondamos em uma redoma de vidro (lar) delegando aos pais a
responsabilidade técnica de uma formação cognitiva e ao mesmo tempo isolada do
fazer, conviver, aprender e ser.
O debate em torno da educação
doméstica é encabeçado atualmente pelo deputado federal Lincoln
Portela – líder do PR-MG através do
Projeto
de Lei nº 3179/12, que também de
forma indireta está atraindo olhares de alguns setores da sociedade envolvidos
com o processo de ensino/aprendizagem para uma análise sobre as outras
modalidades de educação. Contudo, essa problemática nasce da omissão de muitos
pais em negar-se à discussão dos problemas da comunidade escolar, apenas
eximindo-se das responsabilidades e atribuindo ao sistema, ao estado, a
dinâmica da vida moderna, a incompetência dos professores e sua falta de
dinamismo, a inoperância e a deficiência da escola básica, eximindo-se assim da
arte mais democrática possível que é a do debate. O enfraquecimento da
democracia a partir da fragilização de uma das suas principais instituições,
aliada a políticas públicas inexistentes ou ineficientes no tocante às demandas
coletivas do social, em longo prazo, podem ser obstáculos intransponíveis no
futuro.
O mérito dessa questão não é
desqualificar o papel da escola e supervalorizar a função da família e
vice-versa, mas sim entender os reais atributos de cada instituição e
compreender que, enquanto organismos estruturais de uma sociedade, torna-se fundamental
um diálogo, uma vez que a sociedade, seja qual for, possui invariavelmente
problemas, sujeitos e questionamentos (explícitos ou velados) dos mais diversos.
O crédito ou descrédito atribuído a uma ou outra instituição, em questão,
perpassa não necessariamente apenas pelos métodos que cada uma adota, mas,
sobretudo, pelas pedagogias mais prováveis de se obter êxito: a do diálogo e a
do exemplo.
Comentários
Postar um comentário